sexta-feira, janeiro 31, 2014

12 Anos de Escravidão






Steve McQueen, diretor negro britânico e sem qualquer parentesco com o falecido ator branco de mesmo nome, vem caindo nas graças de crítica e público com seus longas-metragens, depois de uma longa e bem sucedida carreira como curtametragista.

Muito elogiado por Shame (2011) e agora disputando como favorito nas principais categorias do Oscar por 12 Anos de Escravidão, McQueen é antes de tudo um diretor esperto. Sabe desenvolver uma trama dramática boa o bastante para despistar a fragilidade dimensional de seus personagens. Sua esperteza está em como oculta esta fragilidade por baixo de artifícios.

Baseado em uma história real, 12 Anos de Escravidão se passa alguns anos antes de eclodir a Guerra Civil nos EUA, quando o país se encontrava dividido entre o norte progressista e o sul escravocrata.

Em uma Nova York progressista, vamos conhecer Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor), homem negro, culto, nascido livre, pai de família e próspero empreendedor. Até que um dia ele cai numa conversa fiada e se vê sequestrado e lavado para o sul como escravo - algo que não era exatamente incomum na época.

A partir disso, o filme desfia um sem-novidades rosário de maldades sofridas por Solonon e outros escravos. Neste processo, o escravo nascido livre reforça sua força de vontade em sobreviver para um dia ser livre novamente e rever sua família.

É dessa determinação de autoajuda barata que surgem alguns sintomas de fragilidade no estofo do personagem, ainda que esta seja uma história verdadeira, baseada no livro escrito pelo próprio Solomon da vida real.

McQueen, esperto que é, disfarça esta superficialidade com planos demorados, reflexivos, pontuando a narrativa com a tristeza inevitável de seus personagens escravos. Tenta-se, com isso, atribuir dimensão ao drama. Mas são, dentro do contexto narrativo, apenas artifícios.

Na verdade, em todo desenvolvimento do filme percebe-se um esforço em atribuir aos personagens gestos que deem pistas da complexidade de suas ações. Da atração doentia de um senhor de escravos (interpretado por Michael Fassbender) por uma das negras até uma aparente insensibilidade inicial de Solomon para com a perda dela, esse esforço todo funciona apenas numa primeira camada. Ao se tentar ir além dela, tudo se dissolve.

Nada disso faz de 12 Anos de Escravidão um filme sem méritos. Eles existem em grande quantidade e em diversos aspectos. Não faltam exemplos disso, como alguns bons momentos de intensidade dramática, a exemplo de uma cena em que Solomon vai às lágrimas cantando uma canção ou passa horas em uma situação desconcertante de quase enforcamento.

A primeira, com a câmera fixa no rosto do ator, é um ato de atuação plena, aquele momento em que o ator é tudo que há em cena. Ali, Ejiofor demonstra uma potência espantosa, que já vale o filme.

Na segunda, sua permanência demorada vai além de submeter o público ao suplício do personagem. É o que se passa em segundo plano, diante do corpo que luta para se manter vivo, o grande destaque da cena. Nela se constrói uma atmosfera, um cenário e uma ambientação que revela - com força dramática intensa, mas elementos sutis - o terrível universo escravocrata. E isso com apenas uma imagem construída da relação entre o que há em primeiro e segundo plano.

Mas ainda mais eficiente e bem conduzido é seu arco narrativo, que compõe um cenário desolador sobre a escravidão e sua desumanidade. Pode-se sempre questionar ou duvidar do exagero cruel com que sempre se retrata senhores de escravos. Há aí uma controvérsia entre ser fiel à realidade (dosando a crueldade) ou ser exagerado para revelar o horror indesculpável.

Se exageros existem, que bem sirvam de retrato do horror imperdoável. Mas para crer na capacidade humana de subjulgar com crueldade seu semelhante (a partir de uma visão desumanizada sobre quem se está subjulgando) temos muitos exemplos recentes, como o Holocausto e, ainda mais recente, Guantánamo.

De qualquer forma, Steve McQueen é sempre habilidoso como diretor. Envolve o público, tira boas atuações dos atores, constrói uma narrativa clara e eficiente. Mas em alguns momentos sente-se a presença de artifícios dramáticos com a intenção de dar profundidade ao sofrimento e que não resistem a uma olhada na camada de baixo.

Pois é justamente essa falta de um estofo mais consistente que faz de 12 de Anos de Escravidão um filme que, apesar de ser muito bom, vem sendo superestimado pela crítica e pelo público. Deve ganhar e merecer diversas estatuetas do Oscar, mas falta muito para ser esse grande filme que querem fazer crer que é.
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12 Years a Slave
Steve McQueen
EUA/Reino Unido, 2013
134 min.

Trailer

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