sexta-feira, abril 19, 2013

Uma Garrafa no Mar de Gaza







Uma garrafa atirada ao mar com uma carta dentro é o estopim improvável de uma amizade entre uma judia adolescente em Israel e um jovem palestino da faixa de Gaza. Um dispositivo bastante ingênuo para dar início a uma narrativa. Mas essa ingênua simplicidade será como que um alicerce para o desenvolvimento do filme, que rejeita a utopia sem abrir mão do sonho possível.

Uma Garrafa no Mar de Gaza é um filme sobre diálogo, mas também sobre pertencimento. Tal Lavine (Agathe Bonitzer) é uma judia francesa que se muda com os pais para Israel. Depois de presenciar um atentado, despeja sua inconformidade em uma carta dirigida a qualquer palestino de Gaza que a encontre. Atirada ao mar, a garrafa, com mensagem e endereço de e-mail, vai dar numa praia e é encontrada por um grupo de amigos.

Entre eles estará Naïm Al Fardjouki (Mahmud Shalaby). Órfão de pai, ele vive com a mãe e trabalha com o primo como entregador. Escondido dos amigos, que num primeiro momento zombam da carta encontrada, ele responde a mensagem por e-mail.

O início dessa troca de mensagens é irônico. Enquanto Tal quer verdadeiramente saber quem é esse povo que seu povo odeia, Naïm apenas responde com ironias preconceituosas. Mas o fluxo de mensagens vai aos poucos se estabelecendo pela troca verdadeira de histórias. Cada um conta a sua e se inicia um diálogo, não sem as constantes variações de tom, com agressões e destemperos.

Na construção desse diálogo, o filme é bastante falho em trazer um bom aprofundamento de seus dois personagens. Talvez porque um de seus problemas seja a demora em definir as motivações por trás de cada um. Apenas pela metade do filme sabe-se mais da real condição da família de Naïm e sobre a composição da família de Tal. São informações que ajudam a definir o caráter de cada um, mas que demoram muito a serem apresentadas ao espectador.

Essa indefinição faz com que a trama patine um pouco por não deixar claras as intenções e os fatores que movem (ou estancam) seus protagonistas. Por outro lado, o filme trabalha bem na ambientação contrastante entre os dois mundos. Em Gaza, nota-se a clara ausência de perspectivas para a juventude, desinteressada do estudo e à mercê de Israel. Já a rotina de Tal é cercada de confortos e de uma socialização, familiar e escolar, natural e saudável. Mas em ambos permanece o medo de ataques e atentados.

Ainda que se construa sobre certa superficialidade, fica sempre claro que o filme não tem a pretensão de estabelecer um debate refinado sobre o tema Palestina/Israel. Os pontos mais evidentes estão lá, como o ódio, a incompreensão, os argumentos básicos de ambos os lados, a violência e o medo. Mas o filme se foca mais no diálogo e na questão do pertencimento.

Esta última questão transparece tanto no modo como Tal vai se ajustando à cultura de Israel como no desejo e esforço de Naïm em sair de Gaza. Há neste descompasso um sintoma que o filme tangencia com inteligência.

Ao estudar francês e tentar uma bolsa de estudo na França, Naïm sinaliza que sua única opção de uma vida melhor é longe de sua terra. Já Tal parece ter o pleno direito de se desenvolver e ter futuro, seja na França, onde nasceu, seja em Israel, terra que hoje pertence a seu povo. Pincela-se com isso uma mensagem provocativa, através da qual o palestino simboliza o não pertencimento, um vácuo resignado no seu direito de pertencer.

Já a amizade construída entre Tal e Naïm, o filme não cai no equívoco de fabricar uma relação forçada, com gestos de ampla aceitação. Em vez disso, usa da ingenuidade de seu dispositivo para estabelecer uma mensagem do que é possível, sem arroubo de desbragada esperança, mas preservando certo tom ingênuo.

Sem apelar para o discurso muitas vezes vazio do respeito e da tolerância, mesmo na sua simplicidade consegue mostrar como a dinâmica da intolerância parece ser uma engrenagem irreversível.

Menos ambicioso, o resultado é apenas aquela esperança típica da juventude, de que com algum esforço pode-se chegar ao entendimento. Está aí sua melhor qualidade. Ao enquadrar dois jovens (que têm sonhos, desejos e dúvidas), restringe à esse universo as perspectivas de futuro, com tudo que há de ingênuo e de boa vontade na juventude. Assim, abre mão de ser um filme político ou de protesto, para ser apenas um filme jovem, cheio de boa vontade e com a devida dose de sonho possível.
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Une Bouteille à la Mer
Thierry Binisti
França/Israel/Canadá, 2011
100 min.

Trailer

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