domingo, setembro 16, 2012

O Exercício do Poder






O filme começa com um sonho de tons fetichistas e dominadores. Há a ocultação de rostos sob capuzes, há a nudez assertiva e ao mesmo tempo submissa, há o ritualístico sacrifical. Uma bocarra engole tudo, mas o faz passivamente; quem se deixa engolir é a nudez, quase que de forma afrontosa, embora não menos submissa. Encerra o sonho uma ereção. Símbolo do poder masculino. Fálico cetro.

Em sua narrativa, O Exercício do Poder lança holofotes sobre Bertrand Saint-Jean (Olivier Gourmet), ministro dos transportes da França. É sua rotina – iniciada em madrugada de sono interrompido por um acidente envolvendo adolescentes – que o filme acompanha. Desde o princípio, vê-se, esta rotina será marcada pelas aparências, peça chave no jogo político que o filme esmiuçará com inteligência e dinamismo.

Uma das qualidades do filme está no seu posicionamento. Ao contrário do que geralmente ocorre em filmes que abordam o cotidiano da política, este não faz qualquer destilação venenosa. Evita cinismos e joguetes de efeito para se concentrar num quadro realista e amoral composto pela persona de seu protagonista.

Está claro, desde o princípio, a importância da aparência. Do gelo no rosto para reduzir a expressão de sono, da troca de gravatas imposta pela assessora para que ninguém se destaque mais que o ministro, dos discursos redigidos e refeitos à força do momento e do efeito esperado. Em tudo há o cálculo dos efeitos, a inautenticidade que rege os princípios dos cargos públicos.

Mas ao acompanhar o exercício do cargo e colocar sua lente “colada” na rotina de Saint-Jean, o diretor Pierre Schöller nos guia por uma verdade muito mais matizada do que a das aparências. Podemos entrever sob a aparência oficial o homem de fato, num arroubo ou outro de espontaneidade. Mas vemos, acima de tudo, o homem-poder, o homem-ambição, “como um tigre faminto na noite escura”.

É na construção dessa figura política, do jogo de poder e contrapoder, que o filme exercita com inteligência sua capacidade de abstrair-se do cinismo cinematográfico para imergir nas atribulações políticas, nas frestas das decisões de Estado, fabricadas menos pelo mérito da questão e mais pela vaidade eleitoral.

Nessa composição, entre a tragédia que surpreende, mostra também um Estado francês falido, tão falido quanto ideais ou interesses legítimos. Mas O Exercício do Poder não “vilaniza” as figuras do Estado, apenas lhes atribui sua cota de seduzidos ante o cargo, sua cota de indiferença ante as tragédias, a pobreza ou o estado das coisas do Estado.

Sobra, com isso, pouco espaço para o humano. Regidos, dogmatizados e focados no poder, os homens da política pouco se assemelham a homens de verdade. São autômatos de sua ambição. Só se vê o ser humano quando, em frestas de momentos, sob o peso da tragédia, uma nesga de sinceridade aparece. Como um político que discursa para si mesmo, quase em silêncio. Porque o único discurso que trazia alguma sinceridade nas palavras, ironicamente, não pôde ser discursado.
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L'exercice de l'État
Pierre Schöller
Françca/Bélgica, 2011
115 min.

Trailer

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