domingo, abril 07, 2013

Uma História de Amor e Fúria

A animação nacional Uma História de Amor e Fúria é um filme bastante coerente com sua proposta. Mesmo nos pontos fracos, como a superficialidade de sua abordagem de aspectos históricos ou a repetição de sua mensagem central, existe uma permanente linha mestra, que atravessa todo o filme até mesmo na forma como se desenvolve seu simbolismo fantástico.

Escrito e dirigido por Luiz Bolognesi, sua trama é um sobrevoo na história de opressão e lutas do país, indo das primeiras décadas do Descobrimento até um futuro distópico no ano de 2096. Atravessando seis séculos, o narrador dessa travessia é um índio tupinambá (voz de Selton Mello), cuja maldição é não morrer. O dispositivo que o atrai para o centro de lutas inglórias é seu amor por Janaína (voz de Camila Pitanga), a quem reencontrará em diversas encarnações.

Duas frases servem de farol para a história que se vê na tela. Uma delas, repetida diversas vezes pelo protagonista, diz que “viver sem conhecer o passado é andar no escuro”. A outra, dita uma única vez, afirma: ”Meus heróis não viraram estátua. Eles morreram lutando contra aqueles que viraram”. Duas afirmações que encerram a coerência que o filme se esforça em construir.

Sob o pretexto do amor inquebrantável, sua narrativa pretende ser uma alegoria da luta contra a injustiça. Faz disso uma perspectiva sombria, de derrotas e perpetuação das injustiças, mas sempre atrelada à ideia de esperança. Não por acaso, a ave metafórica que se verá ao longo do filme como elemento de perpetuação da vida de seu protagonista lembra na forma e no destino a mitologia da Fênix, que sempre renasce das cinzas.

Este renascimento está ligado à luta, condição que se renova por gerações de oprimidos contra um sistema continuamente perverso. Das derrotas dessa luta, de suas cinzas pesarosas, renasce a esperança, motor de uma nova luta. Está nisso a boa intenção do filme, que dentro de limitações estéticas e técnicas a realiza muito bem.

Em se tratando de uma animação nacional, não cabe, claro, condescendência crítica pautada pela natural dificuldade e pelo surpreendente êxito em colocá-la em circuito. Porém tampouco se pode deixar de dar esta nota a feito notável. O que não impede de ver na sua execução algumas fragilidades.

Dentre essas fragilidades está o quanto há de superficial no retrato de fatos históricos. Mas não tendo o filme uma proposta de revisão histórica, suas simplificações são um problema apenas por se darem de forma apressada, sem tempo para o enlace dos personagens e para que se adensem suas nuances de momento.

Com uma duração de 74 minutos, esta pressa no seguir adiante prejudica o que o filme tem de melhor, que é tentar uma perspectiva histórica e cíclica da injustiça e da opressão, assim como a renovação da esperança na forma de lutas contra o sistema. Perde, com a fugacidade, estofo dramático. Mesmo em seu melhor segmento, que é o do futuro distópico, sente-se uma certa timidez na ironia crítica que envolve sua construção.

No momento de apontar para onde tudo pode descambar, detalhes saborosos aparecem, mas são superficialmente aproveitados. Uma timidez que enfraquece a contundência latente da ironia, presente no apenas mencionado “pastor da República” como chefe da nação, pedindo ao povo que reze a Deus para acabar com a seca no Nordeste.

Desta teocracia evangélica, vai-se ao problema da escassez de água potável, um gatilho para desmandos gananciosos e grupos de resistência armada combatidos por milícias oficiais. Está aí um Rio de Janeiro do futuro, feito de abismos e abusos sociais. Elementos saborosos que se enfraquecem no superficial. Em parte também pela ênfase no amor incondicional através dos séculos, linha central que quer dar liga à narrativa.

Mesmo com suas limitações, Uma História de Amor e Fúria funciona como crítica e aventura. A despeito da fragilidade técnica de animação, que tem traços modernos em sintonia com a produção atual, mas carece de articulação de movimento, o filme é uma surpresa positiva. Prende a atenção, cria expectativa, gera empatia no público. Sua resistente coerência em torno da importância de conhecer o passado para não destruir o futuro se mantém intacta ao longo da projeção, assim como seu viés de “lado b” da história oficial. Uma fidelidade que resulta numa experiência satisfatória.
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Uma História de Amor e Fúria
Luiz Bolognesi
Brasil, 2013
74 min.

Trailer

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