quinta-feira, março 29, 2012

Beleza Adormecida



Mais do que fonte de prazer carnal, o corpo da mulher pode ser um templo de veneração e devoção. Em parte, é sobre este princípio que se constrói o erotismo poético do clássico da literatura japonesa A Casa das Belas Adormecidas, de Yasunari Kawabata, publicado em 1961. E é o mesmo princípio que está implícito na afirmação de que a vagina é um templo, feita no filme Beleza Adormecida, que estreia nesta sexta-feira (30).

No livro de Kawabata, senhores ricos e poderosos pagavam pequenas fortunas para passar a noite ao lado de jovens adormecidas nuas. Com as jovens virgens dormindo profundamente sob o efeito de narcóticos, eles podiam tocá-las, mas nunca penetrá-las. É dessa mesma forma que as coisas se dão no filme de estreia da escritora australiana Julia Leigh.

Leigh bebe na fonte do livro de Kawabata, mas inverte o foco narrativo. Se no livro japonês a história é vista sob a perspectiva de um sexagenário frequentador da casa, em Beleza Adormecida acompanhamos o dia-a-dia de Lucy (Emily Browning, de Sucker Punch), uma das garotas adormecidas. Em ambas histórias, a tristeza e o vazio existencial é explorado sob a pincelada da beleza poética da nudez e a fragilidade do sono – e toda uma gama de onirismos derivados dessa combinação.

Lucy é uma estudante universitária que se equilibra em dois empregos, além da prostituição, para pagar suas contas. Solitária, sua única relação afetiva é com um misterioso sujeito, aparentemente depressivo e carente, que ela visita regularmente. Um dia ela responde a um anúncio de jornal para um trabalho inusitado. Na entrevista, descobre que tudo que terá de fazer é servir à mesa em jantares privados vestindo somente lingerie. Contudo, logo será cooptada para atuar como bela adormecida, trabalho que aceitará por estar precisando de dinheiro.

Em sua composição, Beleza Adormecida quer ser algo provocativo, fazendo de sua narrativa uma experiência de beleza triste, de vazio existencial. No seu desejo de ser cult, o filme deixa, propositalmente, grandes lacunas na construção da protagonista e de suas relações pessoais. Não entrega sua história, apenas dá algumas pistas. O recurso é sempre válido na construção elíptica de personagens desajustados e misteriosos, mas aqui peca pelo excesso.

As lacunas prejudicam muito o filme, não apenas por anular qualquer empatia com a personagem, mas também por transformá-la em algo indefinido, sem muita substância. Esta pretensão de mistério e enigma que o filme carrega na sua estilística acaba se transformando numa armadilha para ele mesmo. A má dosagem desses recursos, a omissão de dados que poderiam ao menos serem melhor insinuados, esteriliza grande parte da trama e de sua protagonista.

Resta ao filme a beleza de suas imagens. Sua direção de arte é equilibrada, tem apuro, e sua composição chega muito próximo de um efeito contemplativo perturbador. Porém, ao se perder nas elipses estilísticas do roteiro, o filme torna-se o vazio de si mesmo. É como deveriam ser os personagens e seus sentimentos, não a narrativa. Fica-se a impressão de um exercício desconexo, desatrelado de qualquer possibilidade insinuada, redundante na sua concepção visual como um fim em si mesmo.
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Sleeping Beauty
Julia Leigh
Austrália, 2011
104 mn.

Assista ao trailer

2 comentários:

Cristiano Contreiras disse...

Rogério, antes de tudo, parabéns pela forma como conceitua seu espaço - estou fascinado pela sua maneira de percorrer cada obra, com um olhar próprio e que expressa uma forte personalidade em seus textos. Vou te lendo, aos poucos, gostei muito do que já experimentei e, mais a frente, comento outros textos!

te linkei ao meu blog agora, espero que conheça e goste. Parabéns esmo! Você usa outras redes sociais? facebook ou twitter? abs!

Rogério de Moraes disse...

Olá, Cristiano. Muito obrigado pelas gentis palavras. Fico feliz que goste do Eu, Cinema. Certamente visitarei seu blog. Não tenho twitter, mas no facebook apareço como Rogério de Moraes. Grande abraço.

 

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