sábado, julho 27, 2013

O Homem de Aço

Este texto contém spoilers.

Se fecharmos os olhos para as inconsistências pontuais presentes no roteiro de O Homem de Aço, o filme pode até se sair bem como reinício do super-herói no cinema. Ainda que, mesmo assim, falte muita substância no final.

A questão de se fechar ou não os olhos para seus problemas pontuais trata-se apenas de uma opção entre não abrir mão de alguma coerência ou assumir que ela pouco importa em filmes desse gênero.

Seja como for, parece que Hollywood ou assume uma imensa preguiça na hora de escrever cenas que sejam coesas com o todo ou nem se preocupam com isso, talvez achando que a inteligência média do espectador vem caindo ao longo dos últimos anos.

O diretor Zack Snyder assumiu nesta empreitada a responsabilidade de recontar a origem do Superman nos cinemas. Tarefa difícil, levando-se em conta o quase inacreditável peso mitológico que os dois filmes dirigidos por Richard Donner têm ainda hoje no imaginário dos fãs.

Superman – O Filme (1978) e Superman II (1980) formam uma sombra que sempre pode ofuscar novas produções. Já Superman – O Retorno (2006), tentativa dirigida por Bryian Singer de dar uma continuidade ao mito de Donner, não deu muito certo.

Snyder acerta em fugir a todo custo da sombra de Donner. Com boa concisão, apresenta Kripton em guerra civil, com a rebelião do general Zod (Michael Shannon) estourando. Neste ponto, Russell Crowe como Jor-El e Shannon como Zod se mostram um excelente acerto de elenco. Mas já daí o filme desafina, promovendo uma ação de confronto entre Jor-El e Zod que não se encaixa no personagem de Crowe.

Tão grave quanto isso é a aparente pressa em construir cenas de ação antes mesmo de se ter contado alguma história, deixando toda essa ação fora de lugar e sem propósito. Nada contra cenas de ação em um filme de ação, mas para que seja um bom filme essas cenas devem fazer parte de uma costura da narrativa, coisa que as do início de O Homem de Aço não fazem.

Apesar do início afobado em termos de som e fúria, o filme faz uma boa construção da infância de Clark Kent (Henry Cavill) por meio de flashbacks. Com isso, entre uma ação e outra do tempo presente, compõe o caráter e também as dúvidas do personagem, bem como a influência de seu pai na Terra, Jonathan Kent (Kevin Costner) na formação de seus princípios.

As elipses funcionam bem e Cavill também é uma boa escolha de elenco. Seu jeito um tanto bobo casa com o típico escoteiro altruísta do personagem, mas não a ponto de torná-lo um completo ingênuo.

Mas é a partir disso que algo fica faltando. Há uma ótima elipse entre o momento em que a nave trazendo Kal-El bebê cai na Terra e o súbito surgimento na tela de um Clark adulto. Ali, parece que Clark está em uma andança pelo mundo, em busca daquelas respostas intangíveis que todos têm na juventude e que no caso dele são, naturalmente, muito maiores.

É nessa perspectiva de andança que estaria a oportunidade da construção de um personagem melhor dimensionado. Havia ali a possibilidade de atribuir a Kal-El uma dose de drama, de dar ao personagem alguma perspectiva em profundidade, fazendo dele algo melhor que um simples decalque unidimensional superpoderoso vagando na Terra. 

Mesmo a morte de seu pai adotivo, absolutamente impossível de engolir no modo como se deu, poderia ser o estopim para essa andança em busca de algo intangível. Não se trata aqui de transformar um super-herói de HQs num personagem de Ingmar Bergman, mas de avançar um ou dois passos em direção a algo menos superficial.

Mas o que poderia ser o complemento final na construção desse personagem logo passa para uma rápida descoberta de sua origem e natureza. Entre uma e outra não há tempo, nem esforço, para o delineamento de uma personalidade, de um Clark Kent mais palpável.

Assim, o que dali em diante vemos vestindo o uniforme azul e vermelho é um personagem cujo caráter conhecemos pela infância, mas fica um vácuo entre a criança e o adulto Kent, um vácuo de personalidade agravado pela urgência do surgimento do Superman diante da ameaça de Zod. É como se Clark nunca tivesse tido a oportunidade de terminar de ler o livro de Platão que tinha nas mãos em uma das cenas de sua adolescência.

Filme e personagem ressentem-se desse vácuo, pois a quebra de paradigma final que todo filme de origem, por excelência, deve trazer, aqui se perde por não ter construído com clareza qual paradigma se quebrou. O que era Clark e o que ele se tornou (ou poderá se tornar) após os eventos do filme não fica delineado e isso resulta numa figura oca. Nesse sentido, o propósito, a motivação e até a personalidade de Zod é melhor trabalhada (e com uma excelente concisão) do que a de Kal-El.

E daí vai-se para a grandiosidade das cenas de ação, que passam algumas vezes do ponto, se aproximando do vazio e inócuo efeito demolidor da péssima franquia Transformers, de Michael Bay. Esses exageros destrutivos não chegam a comprometer por completo o filme, e na maior parte do tempo asseguram o entretenimento barulhento e altamente destrutivo que agrada ao público em geral. São cenas bem realizadas, que até funcionam em boa parte de sua duração.

Mas é em meio a tudo isso que definha a figura de Clark Kent e ascende a figura de um “desconhecido” vestindo o uniforme, distribuindo socos, levando socos, demolindo prédios. Até mesmo a solução para parte da ameaça à Terra cai nas mãos de Louis Lane, interpretada de forma apenas satisfatória por Amy Adams, cabendo a ela descobrir o que pode deter o plano de Zod.

Neste ponto, o festival de inconsistências que ofendem a inteligência e denotam uma preguiça em polir o roteiro de forma um pouco mais bem acabada já se multiplicaram.


Da morte ridícula de Jonathan Kent, passando pelo modo como dentro da nave Louis Lane é aprisionada em um compartimento com acesso ao sistema, até em como seria fácil para o governo descobrir a identidade Kent do Superman, além de outros pontos frágeis, essa série de equívocos, de facilidades de roteiro, estragam boa parte da consistência do filme.

Sem essa consistência, ao final, o que resta é a possibilidade de um próximo filme melhor que este. O Home de Aço não chega a ser ruim, é apenas um filme de boa aparência, mas cujo conteúdo inconsistente fragiliza esse verniz. Passada a euforia da ação, o que fica é um Kal-El/Clark Kent/Superman vazio, sem grande personalidade.

Tem-se um filme rico em boas imagens e até boa ação, mas pobre em outros aspectos essenciais à construção de um personagem que dá início a uma nova franquia do ser mais poderoso da Terra.

Atende com boa mão uma parcela importante das demandas que o personagem teria de enfrentar nessa volta de sua origem. Mas deixa muito a desejar na elaboração desse personagem, fazendo dele um borrão impreciso sob o traje azul e vermelho da casa de El.
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Man of Steel
Zack Snyder
EUA/Canadá/Reino Unido, 2013
143 min.

Trailer


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