domingo, julho 08, 2012

Movimento Browniano


Os suspiros, os gemidos baixos, a respiração ofegante; o farfalhar de um lençol, o som do manuseio da vagina úmida da protagonista; todos estes sons, ruídos de intimidade ou não, fazem de Movimento Browniano um filme cuja textura quase nos toca. Ouvi-lo é sentir a cena, é se deixar levar pelo tato do que se ouve e, sem tocar, quase se sentir tocando. O efeito é aplicado com sensibilidade pelo filme, concatenado com sua estética clean, de ambientes iluminados e limpos numa assepsia contraditória. Assim como a pele, os olhos, o riso e o distúrbio psicológico de Charlotte (Sandra Hüller).

Ela é uma médica que trabalha em uma pesquisa com novas drogas para um grande laboratório. Casada com um engenheiro indiano, mãe de um menino de 10 anos, parece feliz no casamento e na carreira. Mas coloca ambos em risco ao levar para a cama de um quarto alugado alguns voluntários da pesquisa que realiza. São homens que guardam algum traço incomum, como um nariz esquisito, o corpo com muitos pelos ou a idade avançada.

O termo “movimento browniano” vem da física e, grosso modo, é o estudo do movimento aleatório realizado por certas partículas em determinados meios. Como as partículas em movimento e a própria ideia de aleatoriedade, Charlotte escolhe seus parceiros anônimos pelo acaso, ainda que neles exista a semelhança pelo estranho e incomum.

Dividido em três partes, na primeira etapa acompanhamos essa rotina secreta da personagem. Suas aventuras de prazer com estranhos, sua rotina de mãe e esposa, sua rotina de trabalho. Todas essas coisas se dão dentro da normalidade. Não há, nos gestos ou no rosto de Charlotte, em nenhum momento, algo que diferencie qualquer aspecto dessa rotina de uma normalidade tranquila.

Do prazer com estranhos à leitura de uma história infantil para o filho, tudo transcorre sem sobressaltos. Até que uma coincidência a surpreende, e isso destrava um mecanismo que a desnorteia completamente, e seu segredo é descoberto pelo marido.

Na segunda parte vem o tratamento. Na terceira, uma mudança.

Movimento Browniano pode ser uma antítese da crise conjugal como a conhecemos. No lugar dos diálogos insistentes, de discussões ou explicações exasperadas, o que temos é o silêncio, que ocupa a maior parte do filme. Mas o pouco dito não significa ausência de significados ou de sentidos.

A beleza do filme se encontra em seu mistério. Na forma quieta como transcorre sua trama, na observação do movimento de Charlotte. Está numa certa incompreensão de sua natureza e na forma como mesmo sem diálogos compreendemos os sentimentos dos personagens, mesmo quando imersos em grande confusão.

Se respostas ficam abertas, se a dúvida ou a imprecisão ficam como resultado do filme, vale lembrar da necessidade que deveríamos ter hoje – em dias de um cinema mastigado ao limite da estupidez – de reaprender a sair da sessão sem certezas. A ausência de respostas não deve ser problema, apenas a preguiça de tentar desvendá-las deveria ser. Neste sentido, Movimento Browniano arrisca-se, sai da mesmice e pode desagradar ou frustrar. Mas para quem ainda tem coragem e gosto, fica o desafio e o prazer de se sentir desafiado.
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Brownian Movement
Nanouk Leopold
Holanda, 2010
97 min.

Trailer

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