quarta-feira, dezembro 07, 2011

As Canções




Eduardo Coutinho, diretor de um dos mais importantes documentários da história do cinema nacional (Cabra Marcado para Morrer, de 1984), também é conhecido por ser um inovador incansável. Seus trabalhos recentes - Jogo de Cena e Moscou -, revelam um inquieto documentarista que explora os limites incertos entre a ficção e o documentário.

Agora, em seu novo filme, As Canções, o diretor repete o esquema de Jogo de Cena, mas sem brincar com a ficção. O resultado soa como algo requentado na forma, mas ainda com muito sabor no conteúdo.

Diante da câmera do diretor, personagens comuns se revezam contando histórias e cantando canções. Estão ali para dizerem – e cantarem – quais músicas marcaram suas vidas e por quê.

Saltam daí histórias dolorosas; de perdas irreparáveis, de remorsos constantes; de vidas marcadas pelo amor, pela paixão e por canções populares. Em alguns casos, é difícil não se emocionar; em outros, o difícil é não rir. Um riso, contudo, único, inquieto, específico. Daquele tipo de riso que guarda na sua soltura um tanto de desconforto e de melancolia.

Essa convivência entre o trágico e o cômico mostra a capacidade que Coutinho tem de explorar a vida em suas singularidades. Seus personagens muitas vezes se contradizem, são confusos em suas narrativas. Todos, no entanto, passam ao diretor e à câmera uma carga rara de sentimento, de verdade, de autenticidade.

Esta é a mão mais firme de Coutinho: a perguntação, a construção de uma relação com o entrevistado que extrai dele uma pureza ímpar que revela o íntimo de forma quase sempre inesperada, autêntica.

Usando as canções como o elo mais forte entre a memória e o sentimento, o diretor evoca o que todos nós guardamos no íntimo, muitas vezes sem nos darmos conta. Como o entrevistado que chora com uma canção que sua mãe entoava na sua infância. Desconcertado, não entende porque foi ás lágrimas, já que sua mãe ainda está viva e bem.

Menos inventivo que os filmes anteriores de Coutinho, As Canções não deixa de ser uma continuação da busca do diretor por subjetividades individuais que rascunham algumas subjetividades universais. Desse modo, revela interesse pelo incerto e nebuloso no ser humano, transformando a verdade em mito ancorado por incertezas.

Assim, nos revela com imensa profundidade nós mesmos, seres humanos feitos de contradições, de imprecisos sentimentos. Seja no documento, no ficcional ou na brincadeira entre os limites de cada coisa, Coutinho nos assombra com a revelação de "eu" coletivo onde nem sempre nos percebemos, onde nem sempre nos damos conta de existir: dentro daquele simples cotidiano repleto de vida e humanidade.

Reside aí seu jogo de espelhos, presente de forma muito mais sutil neste filme. Seu reflexo mais nítido pode ser encontrado na última frase do filme, quando uma entrevistada admite que sua relação com o homem que ama não tem chances de dar certo. Conformada, ela tenta encontrar a felicidade em outro lugar. E diz: "Procurei outro caminho. E continuo procurando". Está aí uma boa tradução para o cinema de Eduardo Coutinho.
--
As Canções
Eduardo Coutinho
Brasil, 2010
81 min.

Trailer

0 comentários:

 

Eu, Cinema Copyright © 2011 -- Powered by Blogger