quarta-feira, janeiro 16, 2013

Amor

Mesmo quando fala da delicada condição do amor, o austríaco Michael Haneke o faz pelo viés do sofrimento. Acusado algumas vezes de sádico por impor uma espécie de tortura ao espectador de seus filmes, esse diretor exige sempre de seu público a vontade necessária para suportar a angústia.

Seja essa angústia de cunho claramente violento, como em Violência Gratuita (1997); seja de terror psicológico, como em Caché (2005); seja na exploração na natureza de um mal atávico, como em A Fita Branca (2009).

Em Amor, Haneke lança seu olhar para o envelhecimento ao retratar a vida de um casal de idosos. Assim, temas como a compaixão, o sofrimento e a solidão, bem como eutanásia, tornam-se linhas mestras que conduzem o drama dessa história que carrega uma beleza amarga.

Indicado duplamente ao Oscar de melhor filme (concorre ao mesmo tempo ao prêmio de melhor filme e de melhor filme estrangeiro), Amor retrata um processo degenerativo na vida desse casal, quando um deles adoece irremediavelmente.

Na estrutura narrativa, o diretor concentra-se na intimidade, aprofundando o tempo por elipses que transmitem o agravamento da doença. Cria uma evolução dinâmica, mas que preserva a tensão do drama experimentado pelos personagens.

Dentro do apartamento onde vive o casal, cresce um tipo de aprisionamento por sobre outro aprisionamento. Naquele espaço de convivência em comum - de toda uma vida em comum - a relação afetuosa que se desdobra pelo cuidado, porém sem esconder o transtorno de quem sofre e o de quem assiste sofrer.

Para dar estofo dramático a essa profunda jornada de amor e solidão, Haneke coloca em cena o peso de três nomes sem os quais não se conta a história do cinema francês.

Jean-Louis Trintignant, Emmanuelle Riva e Isabelle Huppert são, respectivamente, marido, esposa e filha. Esta última, com aparições pontuais, que mais enfatizam a solidão do casal do que a possibilidade de compartilhamento do fardo. Mas são as atuações de Trintignant e Riva que dão ao filme sua intensidade precisa, algo de assombro dolorido, preenchido pela sensibilidade crua, típica do cinema de Haneke.

Um tipo de cinema, aliás, que não evita a polêmica, aqui representada pela discussão da eutanásia. Mas como a obviedade é fator escasso na obra do diretor, essa discussão se apresenta pela surpresa, construída de forma delicada, sem deixar de ressaltar os traços de certa brutalidade humana.

Para dimensionar e multifacetar esta delicada brutalidade, constrói-se um drama do qual também somos vítimas, justamente por testemunharmos o sofrimento. Reside aí o aspecto recorrente do cinema de Haneke, que é o de nos fazer passar pelo filme não apenas como espectadores passivos, mas como cúmplices da violência e da inquietude.

Amor é filme que fala do fim da vida, da dignidade que merecemos ao chegar perto desse fim e que nem sempre nos é reservada. Seu sentimento de mundo é a solidão inevitável da velhice, um aprisionamento do corpo ante o descompasso de querer liberdade, ou de querer libertar.

Por isso o amor de Haneke não é idílico, como também não é cínico. É, antes, feito de verdade, com sentimentos que vão além da beleza simples e traduzem a complexidade do que é real e humano. Um amor de afeto e dedicação, como nos relega a condição humana, mas também cruel e brutal, como parte dessa mesma condição humana.
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Amour
Michal Haneke
França/Alemanha/Áustria, 2012
127 min.

Trailer

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