quarta-feira, fevereiro 06, 2013

O Voo

O dilema moral que O Voo promete desenvolver na sua meia hora inicial é bastante estimulante. Isso porque, logo no seu início, desenham-se alguns elementos que funcionam como desestabilizadores de certezas maniqueístas. Vilania, heroísmo ou apenas um ser humano falho com seus problemas? Entre essas opções, camadas podem ser desdobradas ao se acompanhar os feitos e as atitudes do personagem de Denzel Washington, o piloto comercial Whip Whitaker. Uma proposta inicial que parece querer falar de responsabilidade e responsabilização.

Para dar gravidade ao suposto dilema, uma bem realizada sequência de acidente aéreo. Não sendo o diretor Robert Zemeckis um iniciante, segue com competência a cartilha do filme desastre. Mas a partir daí, o filme toma rumos diversos para desembocar em um melodrama bastante superficial.

Acontece que Whip é alcoólatra e usuário frequente de drogas. Está separado da esposa e raramente vê o filho adolescente com quem pouco se dá. É com estado toxicológico alterado que ele assume o comando de um voo para Atlanta, ao lado de um copiloto bem menos experiente. Quando algo dá errado e o avião simplesmente começa a cair, Whip demonstra frieza e controle. Lançando mão de uma manobra espetacular, consegue estabilizar a aeronave e aterrissá-la num campo espaçoso. Os estragos são grandes, mas apenas seis pessoas morrem entre as mais de 100 que estavam a bordo.

O melodrama surge quando o piloto herói é confrontado com exames de sangue que revelam alto nível de álcool e cocaína. Começa aí uma mudança no filme, cujas promessas de dilema moral vão gradativamente sendo abandonadas e novos personagens entram na trama.

Com uma narrativa sem foco, O Voo vai cada vez mais se parecendo a um telefilme ruim. No hospital, Whip conhece Nicole (Kelly Reilly) uma viciada em heroína. Enxergando nela o drama que não consegue admitir em si mesmo, busca ajudá-la. Enquanto isso, seguem as investigações sobre o acidente e a apuração de sua responsabilidade nele.

De roteiro esquemático, a narrativa se arrasta até o final, sempre mergulhada no drama sobre o vício, mas sem um foco sobre seu viciado principal. Nem drama familiar, nem drama de reabilitação, nem drama investigativo, nem drama de tribunal. Embora todas essas possibilidades se apresentem em algum momento, o filme não leva nenhuma adiante. No máximo, salta de uma para outra sem definição.

Nem mesmo o protagonista dessa história sem rumo parece ter alguma profundidade. Isso apesar do talento de Denzel Washington, que aqui não faz grande esforço, mas ainda atua com firmeza. Exceto por algumas pinceladas no passado e na relação com o pai, também piloto, nada parece dar estofo ao personagem.

Mais grave é o caso de Nicole, cuja presença no filme é de uma falta de profundidade desanimadora. Completa esse quadro de personagens micro dimensionais duas aparições de John Goodman como um fornecedor de drogas que anda por aí com a desenvoltura de quem vende doce para crianças.

No seu desenrolar frágil, O Voo caminha para um desfecho inteiramente conservador. Quer dar a seu personagem uma redenção tão de última hora que soa sem sentido, além de artificial. Um paradoxo dentro da intenção moralista do filme, que quer redimir seu personagem para fazer dele uma lição de moral. Mas executa tão mal esse propósito que a lição acaba perdendo seu sentido. Assim, todo dilema moral desenhado no início resulta em um moralismo fajuto, que não bastando seu discurso empoeirado, ainda sofre de um vazio incoerente.
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Flight
Robert Zemeckis
EUA, 2012
138 min.

Trailer

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