quinta-feira, janeiro 24, 2013

País do Desejo


Filme cheio de deficiências, País do Desejo não lembra nada o ótimo cinema de Paulo Caldas, em cujo currículo de diretor tem os ótimos Deserto Feliz (2007) e Baile Perfumado (1997). Ainda que o refino técnico do diretor se faça notar no filme, o que mais sobressai é a ausência de uma força reconhecível, além de uma entrega a muitas pontas soltas desnecessárias. Num único filme, assuntos demais tendem a dizer coisas de menos. É o pecado da pretensão e do excesso.

Maria Padilha vive uma pianista com uma doença terminal. Exibe grande ceticismo diante da vida e acha que a música que carregava dentro de si morreu antes dela. Fábio Assunção é um padre progressista, que não se opõe irracionalmente ao aborto e incentiva o uso do preservativo. É filho de pai ateu, tem um irmão médico que exibe grande lascívia e uma mãe em estado de coma há muito tempo.

Com essa gama de questões orbitando a vida dos personagens, há o encontro casual entre o padre e a doente descrente. Nasce então, da inevitável atração entre eles, uma complexidade de subtramas que o desenrolar do filme simplesmente não consegue dar conta.

Se, por exemplo, as questões que orbitam a vida familiar do padre servem para dar uma perspectiva de profundidade a este personagem, porque precisam ser tão enfáticas, se ficarão esquecidas pelo caminho? Assim acontece com o irmão médico e sua esposa, que pretendem ir à Bulgária porque as mulheres búlgaras são lindas e fica-se por isso mesmo.

Há ainda o pai que zomba da fé católica, além de uma insistente promessa de permissividade erótica na figura da nova enfermeira da mãe em coma; uma jovem oriental que lê mangás (quadrinhos japoneses) eróticos e veste-se com uma provocativa dose de erotização hentai (desenhos animados japoneses eróticos). Mas nenhuma dessas sugestões de subtrama é desenvolvida de forma articulada.

Tão sem articulação quanto o resto, está o caso da menina de 12 anos, violentada pelo tio e grávida de gêmeos. Inspirado num caso real que ocupou a mídia alguns anos atrás, a história da excomunhão da menina, da mãe e dos médicos que realizaram o aborto é o pretexto para um dos conflitos do filme. Mas tudo com tão pouca conexão entre si que o artificialismo acaba sendo o único fator de destaque da história. Contribui para isso atuações fracas, diálogos artificiais e a tônica teatral de algumas cenas.

Na costura de tudo, incluindo ainda o casal protagonista e suas questões de sentimento e descompasso, não se realiza a devida conexão das partes. Elipses não conduzem a nada, sugestões ficam incompletas e depois de apresentar todas essas coisas, o filme se apressa para chegar a um desfecho sem se preocupar com as muitas pontas soltas deixadas pelo caminho.

Enredado em si mesmo e sem nenhuma coesão, Pais do Desejo acena com intenções demais e narrativas de menos. Quer falar de amor incondicional, intransigência religiosa, soberba clerical, verve erótica e relações familiares complexas, sem dar tempo ou entrelace a todas suas pretensões. Brinca de ser livre e nessa brincadeira perde o fio da meada, o que resulta num filme travado e incompleto.
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País do Desejo
Paulo Caldas
Brasil, 2012
78 min.

Trailer

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