sexta-feira, novembro 29, 2013

Frances Ha

A “Nouvelle Vague” de Godard e Truffaut respira tranquilamente em Frances Ha. Mais do que respira, convive. Nem a força de sua clara deferência sufoca o filme, nem o filme, com sua espontânea desenvoltura, sufoca aquilo a que remete. Nesta relação, há como que uma troca, uma renovação articulada e independente que tem assinatura, corpo, ritmo e vontade própria.

Esta convivência se estabelece não apenas pela fotografia em preto e branco que remete ao movimento francês dos anos 60. Nem apenas pela furtiva Paris, cidade quase aparição no filme, passageira tão expressa quanto uma viagem fugaz, quanto uma incontingência nos rumos de Frances (Greta Gerwig), esta personagem tão real quanto improvável.

É também o deslocamento dos elementos do filme, a trilha inesperada, a dança inesperada, a queda inesperada e uma certa ausência de noção em gestos e palavras. São pequenos desencaixes, pequenas rupturas no tecido do filme que se perderiam na referência estéril se não tivessem um propósito estético e narrativo bem condensado e uma atriz iluminada como Greta.

Frances é essa menina já nem tão menina que representa a vida sendo vivida. Daí uma realidade que gera automática identificação com o real, com perdão da redundância. Espécie de dançarina de segundo escalão em uma companhia de dança, ela almeja ascender, conquistar seu espaço. Não só no palco. Pois tem o aluguel, o espaço físico que durante o filme será, na sua alternância, representação da alternância imprecisa de rumo na vida dela.

Nestas alternâncias, alimentam-se os sonhos: ser aquilo que se deseja ser, obter sucesso, reconhecimento. Mas têm também as contas, o aluguel, a incerteza do trabalho, o desejo de encontrar alguém para se apaixonar, a amizade ponta firme que não é invulnerável a abalos. As mudanças e o tempo que são sempre incessantes.

Esta personagem encantadora converte-se então em um estado de juventude. Apresenta-se com menos daquele brilho de glamour artificial que o cinema costuma atribuir à juventude e muito mais assentada no brilho espontâneo de sê-lo com a dureza do cotidiano.

No improvável, cria-se esta personagem que dança, quer dançar, que muda-se, desloca-se e se perde sem perder a essência. Uma Frances sem amargor quando fracassa, que aprende durante o filme o que se aprende durante a vida.

Mantendo sempre um diálogo sem sustos com a “Nouvelle Vague”, Frances Ha livra-se de qualquer rótulo. Passa ao largo do cinema comercial ao mesmo tempo que se diferencia – em oxigênio e criatividade – do cinema independente contemporâneo e seus maneirismos à beira do clichê.

Noah Baumbach, diretor que também assina o roteiro ao lado de Greta Gerwig, mostra com este filme uma disposição incomum em fazer cinema com a mesma liberdade e espontaneidade que, décadas atrás, uns certos críticos da revista “Cahiers du Cinema” fizeram. Mas aqui há bem menos ruptura e muito mais harmonia. Uma condensação de linguagens, o novo e o velho, quase sem perdas na tradução e com um vigor que não se impõe, apenas frui.
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Frances Ha
Noah Baumbach
EUA, 2012
86 min.


Trailer*


(*) Com legendas, aqui

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