domingo, julho 14, 2013

Hannah Arendt

Hannah Arendt já era uma pensadora de prestígio em 1962 quando se ofereceu à revista The New Yorker para cobrir, em Jerusalém, o julgamento do oficial nazista Adolf Eichmann.

Foi a partir do julgamento de Eichmann, conhecido como o principal responsável por arquitetar a logística da chamada “solução final” – encarregada de exterminar judeus durante os anos de Hitler no poder –, que Arendt passou a formular seu pensamento para aquilo que ela viria a denominar de a “banalidade do mal”.

Hannah era uma judia que fugira para os EUA durante os anos de perseguição na Alemanha, chegando ser presa em um campo de prisioneiros na França ocupada. Na América, tornou-se uma respeitável pensadora e professora universitária, tendo publicado obras importantes como As origens do totalitarismo (1951), A condição humana (1958) e Sobre a Revolução (1963).

É a partir da decisão da pensadora, interpretada pela atriz Barbara Sukowa, em presenciar e relatar o julgamento do “monstro” Eichmann, que o filme Hannah Arendt inicia seu caminho em retratar a coragem da escritora e o inferno que se tornou sua vida ao levar essa coragem às últimas consequências: a publicação do artigo na revista e, depois, a publicação do livro intitulado Eichmann em Jerusalém.

Essa coragem está nas consequências que Hannah sofreu ao ter a ousadia de não demonizar Eichmann como o monstro que todos queriam ver descrito em suas palavras, especialmente a comunidade judaica. Para ela, o tal monstro não era mais que um burocrata medíocre que cumpria suas ordens sem refletir moralmente sobre suas consequências.

Para ainda maior descalabro da comunidade, Hannah não apenas afirmava que não via Eichmann como um antissemita, como teve ainda a ousadia de tocar em assuntos-tabus, como a colaboração de alguns judeus no extermínio de seu próprio povo.

Ainda que ver o filme e conhecer este aspecto da história do século 20 seja algo quase obrigatório, não se pode deixar de notar que, como narrativa de cinema, Hannah Arendt resulta numa obra burocrática, de amarração frágil e condução irregular.

Seus problemas como narrativa vão da obviedade exageradamente sublinhada à construção sem resultado de uma memória em flashback. Muitas vezes, a direção adota uma construção e encadeamento de quadros que lembram um telefilme – lembrando que a diretora, Margarethe von Trotta, tem boa parte de sua carreira na televisão. Nas vezes em que se busca um efeito cinematográfico o resultado é artificial; ora deslocado, ora dramaticamente ineficiente.

Logo na abertura do filme, pode-se perceber uma abordagem óbvia ao mostrar a protagonista, uma pensadora, pensando. Mesmo recurso televisivo que ao final fecha a narrativa, semelhante ao desfecho de qualquer episódio de telessérie. Além disso, dos enquadramentos à montagem, o filme muitas vezes insiste em sublinhar o que deveria ser sutil.

Exemplo disso é o momento em que Arendt, observando Eichmann durante o julgamento, tem o “click” para a compreensão daquilo que seria o pilar de seu artigo. O que poderia ser algo sutil torna-se um exagero de construção óbvia, com a câmera se aproximando da personagem, a música acentuando o momento e a atriz, aparentemente, sendo instruída a mudar sua expressão. Tudo isso para remeter o público a uma forçosa denotação de descoberta, de revelação.

Do artificial, fica o modo como se constrói em flashback a relação amorosa entre uma Hannah juvenil, ainda na Alemanha, e seu professor Martin Heidegger (Klaus Pohl), 17 anos mais velho. A seriedade do quão escandaloso seria para a época esta relação com um homem casado e professor universitário passa ao largo dessa lembrança, assim como não se preenche nesses flashbacks qualquer sentimento ou laço mais forte. Tudo fica no campo da burocrática amostragem a conta-gotas.

A presença dessa memória no filme pretende reforçar o efeito de uma cena perto do final, como se os flashbacks fossem a construção de um sustentáculo para amparar no fim todo um sentimento de perda emocional e sentimental a partir de um rompimento intelectual e político.

Contudo, apenas uma pequena parte desse sentimento é alcançado, muito mais pela atuação de Barbara Sukowa do que pela pretensa construção emocional da narrativa.

Ficam ainda arestas abandonadas sem maiores consequências, como é o caso da secretária de Hannah, Lotte Köhler (Julia Jentsch). O filme insiste em atribuir a ela uma devoção oblíqua, com momentos que vão da adoração à tensão homoerótica. Mas deixa pelo caminho qualquer desdobramento dessa personagem.

Enquanto filme, Hannah Arendt é uma experiência pobre, ainda que tenha o mérito de nunca descer ao ponto de se tornar cansativo. Mas esse mérito talvez esteja mais na história que o embasa do que nos seus atributos fílmicos. Mesmo assim, merece ser visto como registro de um pensamento, o pensamento de Hannah Arendt, que provoca o senso comum e instiga debates até os dias de hoje.
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Hannah Arendt
Margarethe von Trotta
Alemanha/Luxemburgo/França, 2012
113 min.


Trailer

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