sábado, maio 18, 2013

Olhar Invisível

A intenção de Olhar Invisível em ser uma alegoria da ditadura militar que comandou a Argentina de 1976 a 1983 se esmaece até pela sua obviedade. Há aqui um efeito paradoxal em que a proposição excessivamente nítida faz com que seu efeito se dilua.

É como se na tentativa de criar sutileza o diretor Diego Lerman conseguisse apenas soterrá-la na metáfora óbvia do microcosmo que serve de espelho da sociedade argentina naqueles anos ditatoriais.

A história se passa em um tradicional colégio de Buenos Aires cujas normas disciplinares são mais que austeras. Para impedir que essas normas se corrompam pela subversão, a regra é que se aplique sobre os alunos uma permanente vigilância. Uma vigilância que vá além de um olhar perceptível e se torne um olhar invisível, sempre atento a qualquer desvio.

Esse olhar invisível será personificado pela preceptora Maria Teresa (Julieta Zylberberg), sob a supervisão e orientação de seu chefe, Carlos Biasutto (Osmar Núñez).

Começa, aliás, na figura de Biasutto o desmanche de qualquer sutileza. Isso se dá pela semelhança “de bigode” entre ele e o ditador Jorge Rafael Videla, que compôs a junta militar que governou o país durante aquele período e que morreu, no último dia 17, em sua prisão domiciliar, aos 87 anos. Ele cumpria prisão perpétua por seus crimes como ditador.

Baseado no romance Ciencias Morales, de Martín Kohan – que coassina o roteiro –, o filme reproduz os dias neste colégio, em 1982, quando começam manifestações populares contra o regime de governo.

Mas estas manifestações estão além-muro. Dentro, o colégio segue como alegoria da rigidez desse regime, mas que por dentro dessa rigidez evoca o desvio moral, desde o mais inofensivo até o mais brutal.

Desvios que sombreiam o sistema dentro do qual alunos, professores e superiores nutrem entre si sentimentos e reações mal explicadas ou claramente amorais. Frutos do desejo ou de uma necessidade de ruptura da ordem sufocante? Nesta pergunta talvez reste alguma sutileza, mas não muita.

A premissa do enredo, assim como suas possibilidades de desdobramento, são boas e o diretor, Diego Lerman se mostra aplicado na exploração desses vieses. Faz da fotografia de tons neutros e frios o reflexo da instituição e dá apenas um pouco mais de cor e calor nas cenas fora do colégio, que são poucas.

Seu olhar nada invisível, contudo, recai mais diretamente sobre Maria Teresa. O desvio moral que cabe a ela interpretar é até leve comparado ao de que será vítima. Contudo, sua austera vigilância se revelará muito mais um ato de inocência, curiosidade e servidão à ordem do que um gesto de sadismo ou maldade.

Mas, na construção desse personagem, o filme insiste em replicar demais as particularidades de sua inocência autoritária, assim como fazer dela e do colégio um reflexo da Argentina daqueles anos. Reflexo tanto da ditadura quanto da insurgência iminente que resultará em conflito.

Tanto quanto o que há de óbvio nessa condução da trama, está um desapego à protagonista, cuja postura, mesmo na intimidade, muito pouco contribui para uma empatia com o espectador. Essa falta de empatia – aliada a uma rotina que reforça além do necessário os pontos de contato entre o interior do colégio e o âmago político de uma Argentina de momento –, servem para criar uma narrativa que beira o cansaço, que flerta com a monotonia, para entregar um final previsível em sua catarse.

Parece que lá, como aqui no Brasil, o expurgo do cinema com as contas do passado de violências inomináveis de uma ditadura atroz segue sendo uma necessidade recorrente. Bom que o seja, pois o horror da História recente não deve ser esquecido ou amenizado na memória; nem lá, nem aqui. Mas em ambos os lados parece que o mal que cerca essas produções é o mesmo: a falta de sutileza e muito pouca criatividade.
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La Mirada Invisible
Diego Lerman
Argentina/França/Espanha, 2010
97 min.

Trailer

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