quinta-feira, abril 11, 2013

A Visitante Francesa

O diretor coreano Sang-soo Hong demonstra em A Visitante Francesa o prazer de se brincar com a ficção. É como se ele levasse ao cinema um exercício comum nas aulas de redação, aquele no qual se deve escrever uma história usando determinadas palavras. Hong vai além e escreve (filma) três histórias.

As palavras, que no caso do filme tornam-se objetos e elementos, seriam uma barraca de camping, um guarda-chuva, um bangalô, um salva-vidas, um farol e uma francesa em visita ao litoral da Coreia. Todos esses elementos se repetem nas três histórias do filme, interpretadas pelos mesmos atores, na mesma locação.

Superficialmente, está aí a graça de A Visitante Francesa; do filme e da personagem, interpretada sempre pela atriz Isabelle Huppert. Mas esta brincadeira, de aparente simplicidade e leveza, trás na sua constituição um inteligente olhar do diretor sobre as relações humanas, os deslocamentos (reais e internos) e a busca por pertencimento.

Já no seu dispositivo inicial, o filme livra-se de qualquer amarra do plausível para dar liberdade à imaginação, à ficção e, principalmente, ao despojamento. Uma garota e sua avó estão hospedadas em um balneário. Sabe-se apenas que estão ali à espera do desembaraço de um grave problema financeiro causado por um tio da menina. Para passar o tempo, a jovem decide rascunhar um roteiro para um filme. É a partir desse roteiro que vamos aos personagens e aos elementos recorrentes das três histórias, três versões rascunhadas de um roteiro.

Nas três situações, uma estrangeira é recebida no mesmo hotel. Sendo essa visitante francesa, todos conversam em inglês e em diferentes níveis de fluência e compreensão. Começa aí a muito sutil – e algumas  vezes embaraçosa – dificuldade de comunicação.

Quando ninguém fala seu idioma nativo, há sempre um estranhamento nas situações, uma hesitação, uma economia de palavras, ainda que as emoções sejam amplas. Como serão ao logo das histórias.

Mas é na repetida retomada das histórias, naquilo que elas tem de comum e de diferente entre si, que está a brincadeira e o reforço do olhar de Sang-soo Hong sobre as relações e sobre a ficção. Sempre como uma francesa chamada Anne, Huppert vive uma diretora de cinema, uma mulher casada em fortuito encontro com o amante, uma mulher que foi abandonada pelo marido que a trocou por uma coreana.

Anne se hospeda, passeia na praia, espera por alguém, lembra passagens com amigos, encontra-se com um amante, consulta um monge budista, despede-se, come e bebe. Mas são sempre “Annes” diferentes. Repetidamente, elas pedem informações na praia sobre um farol. Há sempre ali um salva-vidas que fala muito mal o inglês e não entende bem o que elas procuram. Entre eles, sempre uma tensão sexual, com três destinos diferentes.

Cada Anne de cada história é um rascunho diferente de personagem, mas todas repetem o mesmo encontro com o salva-vidas de inglês ruim, justamente quando procuram por um farol. São todas estrangeiras, perdidas, buscando a mesma coisa sem que o outro as entenda muito bem.

Além de muito sutilmente construir uma alegoria da comunicação precária e das relações cujos sentidos se perdem na tradução dos sentimentos, o diretor ainda decifra na sua simplicidade uma corrente sensação de desencontro e desconforto.

Há sempre uma sombra de melancolia nas situações, disfarçada sob os sorrisos e gentilezas exageradas que o ser visitante recebe. Uma acolhida artificial, obrigatória. Uma permanente sensação de estar sem ser, como parecem sempre as personagens de Huppert no filme. Estão ali, mas não são dali. Não seria esta sensação um sentimento sorrateiro e permanente do presente?

Sem precisar construir toda uma alegoria pretensamente sofisticada, Sang-soo Hong desenvolve na leveza da simplicidade seu cinema inteligente. Consegue ser brilhante sem precisar parecer. Faz de A Visitante Francesa um delicado trabalho de camadas. Realiza-o como um filme de situações prosaicas, despojadas na aparência, mas riquíssimas na forma. Por baixo dessas situações transitam questionamentos e proposições instigantes. Tudo filmado com atenção e apuro, mas sem exibicionismo ou pretensão.
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Da-reun na-ra-e-seo
Sang-soo Hong
Coreia do Sul, 2012
89 min.

Trailer

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