segunda-feira, dezembro 30, 2013

São Silvestre






São Silvestre, filme de Lina Chamie, em cartaz em São Paulo, entra na classificação de documentário. Mas é, acima de tudo, uma experiência sensorial. Qualquer espectador médio que chegar à sala de cinema sem esta informação pode estar a meio caminho de não gostar do filme.

Isso não acontece porque seja mau filme – longe disso, aliás –, mas porque é diferente, e o diferente exige sempre olhos livres, que é algo escasso em tempos de público de cinema anestesiado pela mesmice de filmes convencionais.

Mas, sabendo antes o que pode encontrar, este mesmo espectador terá a chance de mergulhar em uma experiência inusitada e original, capaz de trazer revelações e epifanias inesperadas.

De certa forma, São Silvestre á uma antinarrativa, ainda que siga uma cronologia de fatos. Se seu foco principal é a tradicional Corrida Internacional de São Silvestre, evento esportivo paulistano por excelência, sua lente e montagem não deixam de lançar também um olhar sobre a cidade de São Paulo.

Não há diálogos, não há voz de narração, nem explicações. Ao som de composições clássicas, o filme desliza e imerge. Desliza pela cidade, imerge na corrida.

Primeiro, o faz no que pode ser um treino de preparação para a prova. Mas o atleta que se prepara mal aparece em cena. O que vemos são partes de São Paulo sendo engolidas pelo treino ao mesmo tempo que, sonoramente, nos vemos imersos no ato de correr. Correr pela cidade.

Depois, a cidade. No dia-a-dia da metrópole, as imagens não buscam traduzir esse cotidiano, mas também não se limitam a contemplá-lo. São ângulos, momentos, tempos mortos que revelam nas entrelinhas um tipo de fervilhamento endêmico, incessante. Encontra nas ruas e nos rostos um sentido São Paulo de ser.

Só então vem a corrida. Atravessá-la, enquanto ela própria, expressa na multidão de anônimos, atravessa a cidade, ganha então uma dimensão universal e particular. Mas como a diretora Lina Chamie chega a este resultado tão próximo de cada um de nós, único, e ao mesmo tempo universalizador, é algo que não se pode dizer, contar ou explicar: é preciso ver. Ou melhor, sentir.
Para tanto, no entanto, dispensa-se qualquer experiência de corrida. Não é preciso ser praticante, nem ter já participado da prova para ser levado pelo filme a uma experiência de sentidos e completude. Basta estar preparado para vê-lo, para percorrê-lo, com olhos e espírito livres.

Na sua estrutura inusitada, de apostar nos sentidos mais do que na narrativa, São Silvestre se mostra uma ato de coragem e ousadia. Só por isso já mereceria ser visto.

Mas o filme vai além. Alcança seu objetivo de nos trazer não apenas os sentidos únicos de estar dentro da São Silvestre, a corrida, mas também a sensibilidade de conduzir sutilmente nosso olhar para São Paulo, a cidade. No processo, a simbiose nem sempre fácil entre ruas, pessoas, corrida, cidade. O resultado: uma experiência inesperada.
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São Silvestre
Lina Chamie
Brasil, 2013
80 min.

Trailer

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