domingo, julho 01, 2012

Fausto


Fausto, de Aleksandr Sokurov, é exigente com o espectador. Passar por suas duas horas e vinte minutos exige empenho e esforço. Mas o difícil em Fausto não se constitui de enigmas ou de experimentalismos confusos. Não há quebra-cabeças em sua narrativa linear, não há conexões sofismadas na sua estrutura. Tudo que quer dizer é dito; está ali, ao alcance de todos, velado apenas com a sutileza inteligente da grande arte, mas sem truques.

O que esta obra de Sokurov exige do expectador é a disposição para enfrentar a angústia. Uma angústia construída na prosódia de suas imagens e na prosódia dos diálogos em alemão. Na constância desta roda que range vai-se do questionamento filosófico à ironia perversa. Sua regularidade de perfeição e rangido nos leva a um limbo da alma, em que mergulhamos cada vez mais fundo na sensação de sonho desencantado. Ergue-se, diante de nossos olhos e ouvidos, com imensa riqueza, um universo de beleza mortificada, adensado por uma fotografia arrebatadora de tons desalentados.

Completa esta angústia o fluxo ininterrupto de pensamentos do protagonista, somada à fala provocativa e sedutora da encarnação do demônio que acompanha o desiludido herói pelas ruas de um mundo desordenado, repleto de aflições do espírito e distorções da carne.

Livremente inspirado no poema clássico de Goethe, este filme encerra uma tetralogia que o diretor russo fez sobre o poder. Vieram antes Moloch (1999), sobre Adolf Hitler; Taurus (2001), sobre Lênin; e O Sol (2005), sobre o imperador japonês Hirohito. Ganhador do Leão de Ouro do Festival de Veneza de 2011, o Fausto de Sokurov é um homem obcecado por conhecimento, que se vê falido e faminto por ter dispensado tudo que tinha em busca de sabedoria.

Sem recursos e sentindo-se tão vazio de saber como quando começou, vai a uma casa de penhores para trocar seu último anel por algum dinheiro. Mas o agiota, de grotesca aparência e inconfundível perversidade, recusa a joia. No entanto, não deixar de oferecer ao desiludido homem sua companhia por um passeio pela cidade, no qual a sedição do espírito será o verdadeiro penhor dessa relação.

Vai-se então ao assassinato gratuito, à assinatura dos termos de posse da alma, à obsessiva atração pela donzela, à descida ao inferno sem volta, e a um apoteótico esmagamento das esperanças. Fausto é uma desalentadora viagem pela consciência do homem, um retrato opressivo de nossa moral disforme.

No percurso, os símbolos. A estreiteza de passagens na qual corpos se espremem traz um sentimento de desconforto da alma, da nossa própria estreiteza  ante as possibilidades inalcançáveis de quem busca o absoluto, sempre insatisfatório, como é o caso do poder. Espelho da mentira, da corrompida natureza da ambição, são também as propositais distorções que as imagens sofrem durante a projeção. Um recurso que conduz nosso olhar para uma realidade menos óbvia.


Desde o início, quando vemos um Fasto ocupado na dissecação de um cadáver, buscando a sede da alma dentro do corpo - e até a perda de sua própria alma, sem jamais encontrar a saciedade de suas ambições -, é possível sentir em nossos ombros o peso desta obra de Sokurov, que nos arrasta e nos exige disciplina e vontade.

Se é desnecessário dizer que trata-se de um filme longe de qualquer facilidade comercial, cabe reforçar que tampouco é obra de mecanismos ocultos e oblíquos. A disposição de seu desafio é transparente, apenas sua dinâmica é volumosa, densa. Seu peso é o da iniquidade humana, tão comum e rotineira quanto assustadora, triste e difícil de carregar. Fausto, de Sokurov, não é fácil nem difícil, apenas intenso e assombroso.
--
Faust
Aleksandr Sokurov
Rússia, 2011
140 min.

Trailer

0 comentários:

 

Eu, Cinema Copyright © 2011 -- Powered by Blogger