terça-feira, janeiro 29, 2013

O Mestre


Por ser um filme tão aberto, montado desde o início sobre elipses e que não apresente respostas fáceis para a natureza dos personagens, nem para as relações que se estabelecem entre eles, O Mestre acaba sendo quase que uma antítese do que se vê por aí em matéria de cinema. E isso pode incomodar alguma plateia, especialmente aos que esperam uma tradicional trama mastigada, com respostas muito bem explicadas.

Contudo, é justamente por essa incerteza, calcada sempre em um indefinido desconforto no modo como seus personagens transitam e se esbarram, que O Mestre se revela uma obra cujo consumo pressupõe atenção e disposição para conectar, segundo o entendimento de cada um, as pontas propositalmente soltas do filme. Porque não se trata de um filme de história sob a condição de início, meio e fim. Mas de um filme sobre caminhos e descaminhos, todos trilhados, em algum momento, pela dor ou pela farsa.

Joaquin Phoenix é Freddie, um ex-combatente da marinha que lutou durante a Segunda Guerra Mundial. Terminado o conflito, ele tem de se ajustar novamente ao mundo. O problema é que Freddie nunca foi ajustado. Alcoólatra e preparador de bebidas clandestinas cuja química pode envolver até solvente e combustível, ele tem a mãe internada num hospício e uma condição de desencaixe com a vida que se reflete até mesmo em sua postura. Este ser curvo, na postura e nos caminhos, revela um profundo medo de si mesmo. Parte por conta de uma possível herança de desequilíbrio mental e parte por possíveis traumas de guerra.

É quando está a caminho do fundo do poço que Freddie cruza o caminho de Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman), um misto de pastor, filósofo, escritor e cientista que lidera uma seita baseada na regressão a vidas passadas e procedimentos pseudocientíficos de psicanálise. É início dos anos 50 e esta religião começa a atrair adeptos.

Vem desse personagem e sua religião o paralelo muito aventado por aí com a cientologia, a religião que tem arrebatado alguns astros de Hollywood. Muito se especulou sobre o assunto em busca de alguma polêmica. A verdade, porém, é que embora exista esse paralelo de tom irônico, a sutileza dessa ironia atenua qualquer implicação óbvia. Assim, muito do que se falou foi pautado mais pela publicidade da polêmica do que pelo paralelo em si.

Do encontro entre os dois personagens nasce uma relação complexa, na qual Dodd tentará domar o desajuste violento e impulsivo de Freddie. Um esforço que irá de encontro a sua esposa, pilar forte e discreto do homem. Ela é Peggy e sua força será sentida na atuação intensa de Amy Adams, que mesmo tendo uma participação menor na trama, fará sua personagem exalar o tipo de poder que só as mulheres têm quando por trás de um homem.

É com essa combinação de personagens fortes, amparados por atuações impressionantes, que Paul Thomas Anderson construirá seu fluxo de trama, criando cenas antológicas, como uma sessão de catarse entre Dodd e Freddie, na qual mais que o embate entre dois personagens há o embate entre dois grandes atores.

Em meio a elipses e pequenas frestas para o passado dos personagens, o filme vai criando um desconforto permanente. Não revela nunca as reais intenções por trás dos gestos ou o que buscam. Para Dodd, Freddie pode ser o grande desafio de sua crença, mesmo quando parece, ele mesmo, não crer nela integralmente. Essa tênue incerteza entre acreditar no que diz (e nisso implicaria, assim como em Freddie, um traço de desajustada sanidade) e o charlatanismo mais descarado, é o que o filme trabalha de melhor, nos deixando com poucas respostas claras, mas cheios de indícios tênues.

Parte da força de O Mestre está no elo incerto que une os dois personagens centrais. Um tipo de fascínio mútuo, ora autodestrutivo, ora de irmanação, através do qual se reconhecem. Entre a loucura e a pregação, ambos buscam um caminho que os ajustem, ambos sentem-se perdidos. A diferença é que o mestre da história tem como cobertura sua filosofia e sua liderança, enquanto que o discípulo não tem nada. De certa forma, buscam uma liberdade que não acreditam que possam alcançar, porque o mundo é muito estreito para seus ombros largos e cansados. Daí, talvez, a necessidade da loucura ou da farsa.
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The Master
Paul Thomas Anderson
EUA, 2012
144 min.

Trailer

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