quarta-feira, agosto 01, 2012

Vou Rifar Meu Coração






Mais do que simplesmente falar da música brega – adjetivo que pode englobar um amplo leque de subcategorias musicais – o documentário de Ana Rieper é uma viagem pela natureza sentimental do brasileiro.

Nele, encontramos uma “afetivo-brasilidade” autêntica, sem floreiros e sem maquiagem. São paragens precárias, bares, prostíbulos, casas semiacabadas, pedaços de nossa mazela social. Em todos eles, as dores sentimentais, também conhecidas como “dor e corno”. E qual música melhor representa este sentimento, quando a vida humilde se mistura à infelicidade no amor?

Vou Rifar Meu Coração, título que se refere à letra de uma conhecida canção do gênero, é composto de retratos e canções. São histórias de abandono, dor, traição e situações absurdas. Essas histórias são emolduradas pelas canções e pelos depoimentos de nomes de relevo desse universo artístico. Amado Batista, Lindomar Castilho, Aguinaldo Timóteo, Wando, Nelson Ned, entre outros, exemplificam e explicam a natureza sincera e arrebatadora de suas canções.

Ao buscar histórias de vida cujos fatos se relacionam com as melosas e doloridas letras das canções bregas, o filme faz um retrato que evidencia que na dor da “cornitude” e no fogo da paixão, não se distinguem pobres e ricos. Como afirma um personagem ao dizer que, quando leva um “pé na bunda”, tanto o pedreiro quanto o médico choram e sofrem do mesmo jeito.

Acusado de machista pelas previsíveis patrulhas, o filme traz na verdade uma carga de sinceridade pouco vista no cinema nacional. Sem julgamentos, apresenta o afetivo que reside na nossa simplicidade atávica. Suas histórias, cujo sofrimento não dilui o cômico de algumas circunstâncias, são o reflexo de nossa condição mais verdadeira, na qual o tesão, a paixão e o amor desmedido não encontram barreiras de classe.

No campo da polêmica, a presença de Lindomar Castilho pode incomodar alguns. O cantor assassinou a tiros, em 1981, sua ex-mulher. Tornou-se ele próprio personagem do ciúme de suas canções. Cumpriu pena pelo crime e hoje vive isolado no interior de Goiás. Abandonou a música. Castilho só aceitou dar depoimentos para o filme se o seu crime não fosse citado. Já no campo da saudade, a presença do cantor Wando, falecido em fevereiro deste ano.

Em uma sociedade marcada pela brutal desigualdade, talvez um dos poucos pontos de contato entre classes esteja no sentimento doloroso do amor e da perda. Para dar vazão a todo esse sentimento, criamos um peculiar cancioneiro que, travestidos de uma sofisticação artificial, podemos até renegar. Porém, não escapamos de também sentir, afetivamente, a força desse cancioneiro. Podemos até sair dele, mas ele nunca sai de nós. Vou Rifar Meu Coração mostra isso muito bem.
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Vou Rifar Meu Coração
Ana Rieper
Brasil, 2011
76 min.

Trailer

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