quarta-feira, setembro 12, 2012

Cosmópolis

 A violência em Cosmópolis, embora não mascarada, esgueira-se semioculta nos diálogos e na dissolução gradual de seu protagonista. De certo modo, é a mesma violência que caracteriza a obra de seu diretor, David Cronenberg. Porém, desta vez, esta violência guarda uma sutileza que nos agride por dentro, porque sua brutalidade está no quanto ela é real e atual. Está aí a brilhante inteligência de Cosmópolis. Um filme cuja violência transparece através de filtros que transluzem, no visual e no textual, a inteligência da obra original, o homônimo romance de Don DeLillo.

Terra, trabalho e capital: nos ensinaram os primordiais estudos de economia. O tripé que susteve o mundo até pouco tempo atrás e sobre o qual se depositou a fé do mercado e a lógica do capitalismo. Uma lógica que, pouco a pouco, tecnologicamente, se dissipou em números fugazes em telas translúcidas. Não se vê mais a terra, não se vê mais o trabalho, não se vê mais o capital. Tudo são evaporações que correm o globo, mudam de mãos, inundam desertos e secam oceanos sempre virtuais, sem que nada se faça além de apertar botões ou correr os dedos por telas sensíveis ao toque.

Em Cosmópolis, a figura que personifica esse nosso tempo e sua distorção enquanto realidade é Eric Paker (Robert Pattinson). Em sua limusine, ele cruza Nova York porque decidiu que precisa cortar o cabelo. Não importa que o presidente dos EUA esteja na cidade, que manifestantes estejam em turbas, que ele próprio seja alvo de ameaças. Blindado de tudo, guardado por seguranças e pelos bilhões que acumulou sem nunca tê-lo vistos fisicamente, ele segue adiante. À sua destra e à sua sinistra, as telas pelas quais controla os rumos de moedas do mundo e sua fortuna, feita de números impensáveis. Ele é o poder da nova era.

Em sua trajetória pela cidade faz sexo, é examinado por um médico, discute o absurdo com diferentes personagens. Não busque sentido nos diálogos. Estes muitas vezes existem para personificarem em palavras o desajuste das coisas, o incompreensível do todo “minimalizado” no interior da limusine. Nesse universo, Eric soa como um avatar que passa a crer em si mesmo não como avatar, mas como elemento natural do absurdo. No processo, desconstrói-se.

Há uma cena, perto do fim, em que Eric pula um portão. Desgrenhado, revólver na mão, sorriso insano, corre sem pressa em direção a algo de que normalmente se quer fugir. Esta cena não é apenas o ponto alto do filme, é também o ponto alto da carreira do ator. Ali, naquele limiar de poucos segundos, rompe-se o restante de lógica. A degradação inevitável de Eric, simbolizando a degradação inevitável de nossa sociedade econômica, vai ao encontro de um tipo único de consciência. A consciência do fim. Algo que vem como redenção indesejada de pecados não assumidos.

Neste Cosmópolis, mais uma vez Cronenberg nos coloca em desconforto. Agora, não pela violência explícita, não por um psicologismo perturbador. O que perturba aqui é o visível que não queremos ver. É o fim que sabemos próximo, de uma violência presente no cotidiano inofensivo de uma época tão impalpável e dissoluta como a que vivemos hoje em dia.
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Cosmopolis
David Cronenberg
França/Canadá/Portugal/Itália, 2012
109 min.

Trailer

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