domingo, março 17, 2013

Piaf – Um Hino ao Amor


Filmes que nos levam às lágrimas costumam partir de uma manipulação de emoções que tentam sempre nos “convencer” a chorar. Essa manipulação vai desde a mais óbvia, que é subir o volume da música durante uma cena triste, até a mais sofisticada, como é o caso desse Piaf – Um Hino ao Amor.

Cinebiografia da cantora francesa Edith Piaf (1915-1963), o filme deu o Oscar de melhor atriz para Marion Coutillard por sua brilhante interpretação do personagem título. Uma produção que dificilmente poderia escapar de fazer lágrimas no espectador, já que a vida da cantora nunca foi fácil.

Nascida pobre, Edith passou parte de sua infância entre a negligência da mãe alcoólatra e a distância de um pai errante, contorcionista de circo. Uma errância que a levou a viver, ainda muito criança, sob os cuidados da avó, dona de um bordel. A certa altura, a jovem Edith se vê obrigada a cantar nas ruas para conseguir algum dinheiro. Até que das ruas vai para os bares e dos bares para os grandes palcos.

Edith, que recebeu de um de seus primeiros incentivadores o nome “piaf” em referência a como são chamados os pardais em uma região da França, foi um talento nato, aprimorado pela expressividade amargurada de uma vida marcada por afetos muitas vezes ríspidos e uma saúde frágil.

Para representar o conturbado dessa trajetória que ascende rapidamente ao estrelato, ao mesmo tempo em que é abalada por tragédias, excessos e desventuras, o diretor Olivier Dahan opta por uma narrativa fragmentada. Faz idas e vindas no tempo, lança mão de elipses e recortes de momentos determinantes na vida da cantora.

Este recurso de picotar a narrativa, ainda que não a confunda, tampouco mantêm facilmente claras as relações de causa e efeito nos grandes acontecimentos da carreira de Piaf, especialmente na segunda metade de sua vida. Mesmo datando com precisão alguns momentos fundamentais dessa trajetória, a montagem do filme elide algumas conexões entre fato e consequência.

Ao longo de dois terços do filme, essa opção parece incômoda, na medida que embaralha essa trajetória. No entanto, mesmo esse leve desconforto não interfere na forma como o filme deixa transparecer o que realmente importa ao dar uma personificação bem definida da cantora, de seus caprichos, de sua personalidade, de seus amores e de suas mágoas.

Talvez a grande e bem montada armadilha do filme esteja em aflorar nos mais apressados um desejo por uma narrativa linear, cronológica, que satisfaça um anseio de compreensão clássica das coisas. Mas depois de insistir na sua opção fragmentária, e sem abrir mão dela, o último terço do filme realiza uma amarração que oferece uma clara explicação da forma que se optou para contar a história de Piaf.

Deixa claro no final que não se trata mais de explicar a vida da cantora como um relato documental de fatos, consequências, causas e efeitos. No lugar desse didatismo morto, percebe-se que ao filme interessa muito mais simbolizar e significar o que há de mais essencial na trajetória da cantora. Uma essência marcada pela grande atribulação de uma vida de altos e baixos, cheia de um sentimento profundo de busca pelo amor. Um amor do qual sempre se ressentiu pela falta que fez em sua vida, tracejada na melancolia indisfarçada presente no grande sentimento de suas interpretações.

É na compreensão das intenções reais do filme que este cresce imensamente, pois fica claro que a ele não interessa relatar a vida de Piaf, mas de senti-la naquilo que é mais marcante: a inconstância da felicidade e a permanência do grande sentimento. Como em uma entrevista em que a toda pergunta feita em tom de “que conselho você daria para...” a cantora responde: ame, ame, ame.

Assim, a atribulada montagem se transforma em metáfora da atribulada vida que quer representar. Uma representação que muito deve ao trabalho extraordinário de Marion Coutillard como Piaf. Uma prova do talento da atriz, na qual revela uma atuação inspirada, articulada com riqueza de tons e intensidades.

É Coutillard quem dá vida à arquitetura de filme, que no seu arranjo não deixa de ser manipulador de nossas emoções. Essencialmente por construir-se de forma a reservar para o fim o grande golpe de emoção, presente na letra da canção que o encerra. Uma canção que sintetiza a existência e o sentimento da cantora. Um artifício de manipulação, sim. Mas que funciona não apenas porque foi brilhantemente executado, mas porque traz em si um sentimento de verdade e compaixão que só uma vida como a de Piaf poderia trazer.
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La Môme
Olivier Dahan
França/Reino Unido/República Checa, 2007
140 min.

Trailer

1 comentários:

Lucimeire disse...
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