segunda-feira, setembro 16, 2013

Agatha e as Leituras Ilimitadas




(Texto publicado originalmente em dezembro de 2010)

Corresponsável por um dos filmes mais importantes da história do cinema (Hiroshima, Meu Amor, de Alain Resnais [1959]), do qual foi roteirista, a escritora vietnamita Marguerite Duras ganha em São Paulo uma mostra dedicada a seu trabalho como cineasta.

Em exibição no Cinesesc, Marguerite Duras: Escrever Imagens reúne filmes que Duras realizou, a partir de 1966, entremeando a carreira principal de escritora com a de diretora. São obras de aproximação com a literatura, que buscam na imagem e na forma ecos e consonâncias com as palavras.

Em Agatha ou as Leituras Ilimitadas há como que uma busca pela desvirtuação do cinema enquanto linguagem imagética do movimento.

Tem-se aí uma experiência de cinema com a radicalização de sua forma primária (a fotografia) para trazer literatura. Algo como uma forma que tem no texto a palavra e na imagem o sentimento. Uma sintaxe única, construída na imobilidade de corpos muitas vezes semiocultos no quadro quase estático.

Seu ponto de partida, como já assinalava no texto de Hiroshima, Meu Amor, é a memória, o tempo e a presença física desta memória e deste tempo. Uma elaboração da busca calcada na dialética subterrânea do sentimento, agravada neste caso pela imoralidade de um desejo proibido.

Na vontade de lembrar e de se despedir de um tempo, um casal de irmãos incestuosos retornam ao balneário de uma infância cuja lembrança traz o amargo e o delicioso do proibido de seu amor inevitável. Mas há uma despedida, pois esse amor é impossível de ser vivido plenamente, e um deles deve partir.

Descontinuadas e sem pressa, as imagens aqui dão suporte à palavra, que tenta na sua poesia adentrar um sentimento que o mergulho na imagem acentua. Cruzam-se, assim, literatura e cinema numa narrativa descontínua, como é típico na memória dos fatos, quase sempre menos nítida que a memória dos sentidos.

Por isso a mobilidade mínima da imagem é como um aprisionando, uma tentativa de reter o tempo e com ele a memória e com ela o sentimento: a dor e a paixão da descoberta proibida. Mas na luz de inverno da fotografia, o local, fora de temporada e desértico, revela também a expressão de abandono, a despedida dos dias.

Daí, em certa medida, a urgência em lembrar e reconstruir essa memória como que pelo expurgo, a catarse da memoração. Revitaliza-se nesta melancolia verões passados, o amor incestuoso que ali nasceu proibido e se consumou e os consumiu por tantos anos.

Agatha ou as Leituras Ilimitadas é uma bela experiência poética, antes de tudo. Como cinema, porém, não se encontra plenamente na sintaxe pretendida. Há um ruído, uma sutil dissonância entre texto e imagem, ambos belíssimos, mas que não se unem por inteiro.

Apesar disso, fica a interessante experiência poética, mergulhada em universo de inquietações e sentimentos perdidos entre o desejo e o proibido, trabalhados sob o prisma de memória.
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Agatha et les Lectures Illimitées
Marguerite Duras
França, 1981
90 min.

Trailer

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