quinta-feira, novembro 04, 2010

O Segredo do Grão


Vencedor do César 2008 (o mais importante prêmio do cinema francês) nas categorias de melhor filme e melhor direção, O Segredo do Grão conta a história de Slimane Beiji (Habib Boufares) e de sua família.

Ele é um imigrante árabe radicado na França que, cansado de trabalhar em um estaleiro, decide comprar um barco velho e montar um restaurante dentro. Sua inexperiência no ramo e os recursos limitados para a empreitada vão aos poucos fazendo do desejo de Slimane uma aventura humana, na qual se enredará sua família e amigos.

Mas Slimane, um homem introvertido e silencioso, será muito mais eixo do que lança. Porque será em torno dele que irão se manifestar as tempestades de uma numerosa e particionada família. É que, separado da primeira esposa, com quem compartilha filhos, netos, genros e noras, Slimane vive com outra mulher e uma enteada para quem ele é como um pai verdadeiro.

É a partir dessa cordial, mas sempre tensa, rede de relações familiares que o sonho do restaurante de Slimane despertará emoções de alegrias, ressentimentos, amores e frustrações.

Para dar vida e essa riqueza de conflitos, o diretor tunisiano Abdellatif Kechiche escalou para o filme um elenco de atores amadores e os deixou livres para improvisar. Tudo para evitar a artificialidade.

O resultado é uma rara franqueza de realismo e naturalidade com que as cenas se desdobram. Uma franqueza que pode ser notada na belíssima sequência do almoço em família ou nas discussões dos problemas e pequenezas da intimidade familiar. Há muito dessa franqueza até mesmo em uma estonteante e significativa cena de dança do ventre.

É desse sentimento cotidiano que se extrai a beleza mais pura de O Segredo do Grão. Especialmente no modo como revela, mesmo dentro (e apesar) das pequenas intrigas pessoais, o amor pelo pai e a dedicação a seu sonho.

Mas Kechiche não se limita ao microcosmo familiar e faz de seus personagens a ressonância cultural e étnica da França dos anos 2000. Problematiza a questão da imigração árabe através de uma elaborada construção de sentimento de lugar e de ser.

Assim, nos faz imergir no seio de uma família árabe com suas tradições culturais e com isso cria um sentimento de origem, de raiz cultural. Mas esse sentimento precisa conviver com a nacionalidade francesa dos mais moços, já nascidos no país, e também com a adaptação dos mais velhos, integrados ao país.

Surge daí um sutil conflito que parece evocar em alguns o sentimento de não pertencer ao país (ao lugar). São franceses, mas também são árabes e o lugar a que pertencem parece uma indefinição incômoda que paira sobre suas identidades.

Toda essa riqueza de questões e abordagens entre família, cultura e identidade converge, por fim, no projeto pessoal de Slimane. É a dedicação de todos em torno desse projeto e o esquecimento momentâneo das diferenças em função do pai e de seu sonho que mais comovem e embelezam o filme.

Aqui, o diretor não deposita no objeto do sonho um artificialismo dramático. O que há é a grandiosa demanda da aventura humana. A vida em seu estado natural, sem grandes assombros, mas com todo significado das simplicidades comezinhas.

Por isso, a trama não se permite a obviedade de grandes reviravoltas, o que não tira a tensão do filme, presente até mesmo no prosaico gesto de levar uma panela ao fogo.

Nessa construção, quando nos damos conta, já fazemos parte da família, já somos parte do sonho de Slimane.

É quando, a certa altura, todos os olhos se voltarão não apenas para Slimane, mas para a jovem atriz Hafsia Herzi. Não sendo pouco o talento que ela exibe durante todo o filme, protagoniza ainda, num momento chave da trama, uma hipnotizante dança do ventre.

Revela-se nesta sequência um tipo de erotismo raro de se ver no cinema. Uma singularidade que nos arrasta para o desejo inevitável que guarda também uma certa pureza de intenção e coragem do gesto.

O desfecho de O Segredo do Grão é súbito e pode, num primeiro momento, parecer destituído de sentido, como se toda a riqueza de sua construção levasse para nada.

Mas um olhar mais atento dos últimos gestos dos personagens revelará a amarração de todas as pontas. São fechados os dramas de cada um, sem que isso represente necessariamente um final, apenas a continuação da vida.
 --
La Graine et le Mulet
Abdel Kechiche
França, 2008
151 min.

Trailer

0 comentários:

 

Eu, Cinema Copyright © 2011 -- Powered by Blogger