sexta-feira, fevereiro 10, 2012

O Artista




The Artist
Michel Hazanavicius
França/Bélgica, 2011
100 min.

Quando estamos todos anestesiados por um cinema predominantemente feito de efeitos sonoros e visuais que beiram a poluição, surge uma obra como O Artista: um filme mudo, em preto e branco, homenageando o próprio cinema em suas origens. A reboque desse anacronismo quase impensável, prêmios, aplausos da crítica e dez indicações ao Oscar, incluindo a de melhor filme.


Há em toda esta aclamação algo de nostálgico. Mas também de autocongratulação, um olhar sobre si mesmo e a anuência do que se vê; o gostar de ver-se. Ao menos para os apaixonados pelo cinema, os iniciados em sua história, cujas referências alcancem alguma coisa que vá além de Quentin Tarantino, já que para alguns é como se nada existisse antes.

Voltemos então para 1927, ano marco do início da transição do cinema mudo para o falado. A transição propriamente dita viria ainda mais adiante, mas foi neste ano que se lançou O Cantor de Jazz, primeiro filme sonorizado da história. É o ano em que se inicia a trama de O Artista. George Valentin (Jean Dujardin) é a grande estrela dos estúdios Kinograph. É ele quem protagoniza aventuras, salva mocinhas, vence os bandidos. Sonho e desejo das mulheres, vive o auge de sua carreira como grande astro do cinema mudo.

Com a típica inocência e simplicidade profética das histórias desse tempo, seu mal está na soberba e no orgulho. Defeitos que o cegam para o futuro, quando este já se avizinha. Com a ascensão do cinema falado, vem sua derrocada. No caminho dessa transição, conhece Peppy Miller (Bérénice Bejo), uma anônima que o encanta. Ela começa fazendo figuração em um de seus filmes, mexendo forte com seu coração. Com o tempo, ela ruma ao estrelato; ele vai segue em declínio. No novo cinema falado ela tem voz, ele não.

A trama é apenas pretexto para referências. Do nome do estúdio a alguns planos e enquadramentos, tudo remete ao cinema clássico. De seu nascedouro ao início da era de ouro de Hollywood. Ainda que a superficialidade predomine em favor do memorialismo autocomplacente, a beleza dessa homenagem não passa sem tocar aos amantes da sétima arte. A textura monocromática, os trejeitos de uma época e de seu cinema, os intertítulos que nos rememoram o silêncio dos filmes de antigamente. Em tudo há história; e tudo é belo delicado. Assim é, se nos parece.

Acima de tudo, O Artista vem nos lembrar que um bom filme, mesmo nos dias de hoje, pode prescindir da parafernália anestesiante de efeitos estereofônicos e pluridimensionais. Ainda pode haver cinema apenas numa boa história, nas imagens que contam essa boa história, amparadas por atores, cortes, montagem e narração. Simples. Mas uma narração que é o princípio de todo cinema, baseada na imagem antes de qualquer outra coisa.

O Artista não deve ser visto como um resgate do velho cinema. O velho cinema não precisa ser resgatado, embora muitas vezes seja refém esquecido de uma ignorância preconceituosa que não distingui Méliès de Michael Bay. Mas serve como amostra surpreendente de uma simplicidade ainda capaz de emocionar e entreter. Não é uma obra menos industrial do que se vê por aí, mas é um bocado mais corajosa e eficiente.
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