sexta-feira, novembro 04, 2011

A Pele Que Habito




La Piel que Habito
Pedro Almodóvar
Espanha, 2011
117 min.

Revestir o insólito com uma pele de aparência comum é uma das características do cinema de Pedro Almodóvar. Em seus filmes, o improvável ganha uma coerência própria e o que de outra forma poderia ser patético, com este talentoso espanhol se torna aceitável. É assim que o diretor destila sua realidade particular, sempre cheia de fetiches, obsessões, crimes e paixões violentas.

Por isso, apenas dentro desse universo “almodovariano” pode existir a figura do brilhante cirurgião plástico Robert Ledgard (Antonio Banderas, voltando a atuar novamente depois de 21 anos sem trabalhar com Almodóvar).

Ledgard trabalha em uma pesquisa para desenvolver uma pele artificial muito mais resistente que a pele humana. O objetivo de seus esforços é a cura (não apenas orgânica, mas também estética) para vítimas de queimaduras. Mas por trás de sua motivação estão questões traumáticas e segredos terríveis do passado. Traumas como a perda de sua esposa, que teve o corpo inteiro queimado em um acidente de carro, e segredos ligados à sua filha, também profundamente afetada com a tragédia.

É envolta nesse mistério que vive na mansão do médico, em um amplo quarto monitorado por câmeras, uma misteriosa prisioneira chamada Vera (Elena Anaya, de Um Quarto em Roma). Ela parece servir de cobaia para as experiências de Ledgard. Há entre o médico e Vera uma estranha relação, marcada por uma forte tensão erótica e pela posição de opostos que ocupam como prisioneiro e a aprisionador.

Como uma obra típica do espanhol Almodóvar, fetiches ocultos como servidão, voyeurismo e dominação são alguns dos elementos da conflituosa relação entre médico e paciente. Uma relação que começou como uma doentia vingança para se transformar numa doentia atração. Os acontecimentos que levaram a isso serão revelados gradualmente, através de flashbacks muito bem inseridos na trama.

Com uma trama que flerta com a ficção científica, Almodóvar se mostra mais uma vez provocador. Desvirtua, com seu personagem obcecado, os limites da ética na ciência e enterra sua trama numa sombria história de contornos sádicos e desumanos. Inspirado no romance Tarântula, do escritor francês Thierry Jonquet, o filme tem também assumidas referências à película francesa Os Olhos Sem Rosto (1960), de Georges Franju.

Na soma das influências, Almodóvar compõe uma história em que o bizarro toma proporções assustadoras, mas com sua inconfundível assinatura. Ela se nota, além das obsessões, no modo como são trançados os fios narrativos da trama, sempre com uma cadência afinada, suave, sem sobressaltos.

Esse azeitamento narrativo contribui para intensificar a surpresa final, quando se revela a natureza da todas as relações entre os personagens. O resultado é um filme ousado, cuja textura narrativa é como uma pele impecavelmente uniforme. Sob ela, o sombrio que habita o ser humano em sua loucura doentia sem limites.
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