terça-feira, abril 26, 2011

A Voz Crítica e o Exercício Crítico



Na literatura, o escritor se firma quando encontra sua voz. Encontrar uma voz é algo clássico, conselho que se ouve sempre de editores e escritores calejados. A dica é simples, realiza-la é algo mais complicado. Exige tempo, maturidade, persistência. São tentativas e erros. Um caminho a se trilhar. Uma busca a empreender.

Na crítica de cinema, algo parecido deve se passar com quem se inicia e se arrisca nesse meio. Encontrar uma voz representa entender seu papel como crítico. E isso é algo que também pode demorar, que exige reflexão, tentativa e erro. Assim como na literatura essa voz sempre será única, sua - descoberta, aprendida, construída.

No exercício de minha crítica de cinema, desde o início, sempre me coloquei em questão. Essa “problematização” constante foi fundamental para que eu evitasse (nem sempre com sucesso) a banalidade e o lugar-comum, venenos mortais e imperdoáveis no exercício de qualquer escrita e de qualquer atividade intelectual.

Papel crítico e bússola

Certamente não serei o primeiro, nem o último, a perguntar qual o papel da crítica, seja de cinema ou de qualquer outra arte. Essa é uma questão de variáveis tão amplas e diversas que não se pode esgotá-la. Muito já se debateu e muito ainda se debate. As opiniões, entre leigos e estudiosos, serão sempre múltiplas e nem sempre convergentes. Encontrar uma resposta definitiva, que concilie a todos, seria uma busca tão válida e possível quanto a da pedra filosofal ou a do elixir da vida eterna.

Por isso, tal empresa não pode jamais ter a pretensão de ser universal. Ela deve, tão somente, servir a quem a procura. Não para uma encasulada percepção das coisas, mas como farol para compreender-se e fazer-se compreender.  Se haverá concórdia ou não é outra coisa. O importante é que nos sirva de bússola.

Com tão pouco tempo de exercício crítico e com tantas lacunas a preencher em minha formação, talvez seja pretensão ou ingenuidade achar que encontrei minha voz. Por outro lado, quem me conhece intimamente, sabe que tenho o hábito (muitas vezes irritante) de me colocar em questão. Não apenas a mim, mas tudo que faço. Desde o simples gesto de ir à padaria buscar pães, até o exercício da literatura séria (pretensamente), passando, claro, pela crítica de cinema. Tudo é razão de ser do meu pensar, do perguntar-me porquê, do mover-me dentro de mim mesmo em busca de respostas, sejam retóricas ou concretas.

Um Caminho

Nesse processo de busca por uma voz crítica, penso ter encontrado, se não a resposta, ao menos o caminho. Um indício para entender minha função nessa engrenagem excessivamente lubrificada por opiniões e “achismos” críticos que é o cinema. Entre o risco da irrelevância que assombra todo exercício crítico e a crença sincera de que haja alguma utilidade para tal ofício, acredito que o caminho seja sempre o do diálogo. Mas um diálogo de múltiplas vias.

Não um diálogo apenas entre mim e o leitor a respeito do filme. Isso incorreria, perigosamente, no risco de pretender uma ascendência de quem escreve sobre quem lê. O professoral, quase sempre, é o tom dos obtusos.

Também não um diálogo entre mim e o filme. Isso implicaria na exclusão do leitor, como se este fosse um observador impedido de participar por simplesmente não estar a altura para tanto. O isolamento crítico é o espelho de narciso e narcisos a crítica já os tem de bacias. Não se deve abrir mais vagas.

Por fim, sim para um diálogo entre o leitor e o filme. Mas se nesse caso fosse anulada a função crítica (e só nesse caso), nada mais restaria que a aquiescência plena destituída de viés diferencial, sem caráter propositivo ou indução ao pensamento. Ou uma inversão. O leitor se torna crítico e o crítico se torna leitor. Mas desse modo nada mudaria.

Vias permanentes

Proponho, portanto, ao menos para mim e minha crítica, a junção dessas três possibilidades em vias de mãos retornáveis e em permanente manutenção. Pretendo, desde então, fazer de minha função crítica o estímulo ao diálogo, da veiculação de ideias, de achados, descobertas, vivências, experiências e leituras.

Não em únicos sentidos, mas em muitos. Quero, ao escrever cinema (e vivenciá-lo com paixão e o entusiasmo que ele merece), fazê-lo na companhia do próprio filme e também do leitor. Quero que o diálogo surja e se desenvolva em uma tríade, na qual conversem comigo o filme e o leitor, na qual conversem com o filme o leitor e eu, na qual converse com o leitor eu e o filme. Tudo em constante rotação, na busca não de uma aceitação ou concordância plena, mas de troca de experiência.

Com esse discurso, talvez eu não tenha inventado a roda. Talvez não esteja, com essa proposição pessoal, sendo mais do que banal e irrelevante, atavicamente. O tempo e o leitor me dirão. Por ora, talvez com a ingenuidade dos idealistas e a mesma coragem de tais, fico com isso e sigo na busca. Essa, por agora, será minha voz. Se haverá sucesso em seu exercício, se será ela algo realmente funcional e relevante, não sei. Mas fico satisfeito por tê-la inventado e pelo desafio de ter de persegui-la.

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