sábado, fevereiro 19, 2011

Bravura Indômita



True Grit
Ethan Coen e Joel Coen
EUA, 2010 

A grande falta que se faz sentir em “Bravura Indômita” é a construção (perdoem-me pelo palavrão) diegética. Essa ausência faz do filme uma experiência oca, na qual o sentimento e a emoção passam ao largo. Claro que se tratando do gênero western, não há necessidade de “construir” a diegese desse mítico universo fílmico. Ele é de conhecimento universal. O que me incomoda, esclareço, é a forma como a narrativa parece não dar tempo para que a personagem Mattie Ross (Hailee Steinfeld) pareça crível e sua vingança uma real necessidade.

“Bravura Indômita” é a versão dos irmãos Coen para o romance de Charles Portis, lançado em 1968. Há uma versão para o cinema de 1969, dirigida por Henry Hathaway e que deu a John Wayne seu único Oscar. Na história, Mattie Roos é uma garota de 14 anos que teve o pai assassinado pelo bandido Tom Chaney (Josh Brolin). Inconformada, faz de tudo para contratar um caçador de recompensas para capturar o bandido e levá-lo à forca. Acaba por contratar o oficial Rooster Cogburn (Jeff Bridges), conhecido por atirar antes, atirar de novo e perguntar depois. Mas Mattie não quer apenas um contrato, ela quer ir junto na captura do criminoso. Na trilha do mesmo bandido está Laboeuf (Matt Damon), um Texas Ranger que pretende fazer uma parceria com Cogburn para capturar Chaney.

No primeiro terço do filme a jovem Steinfeld se destaca com sua interpretação de Mattie. Vai de um lugar a outro negociando desde o funeral do pai até a contratação de um caçador de recompensas. Ela se mostra dura e escorregadia nas negociações. É decidida, inteligente, perspicaz e tem a língua afiada. Porém, apesar da ótima atuação da jovem atriz, a narrativa peca por uma edição rápida demais. Não há tempo para que se construa toda a força de Mattie. Nem o que realmente vale para ela o enforcamento de Chaney. Tudo se passa rápido demais e impessoal demais.

Quando percebemos, já estamos na primeira cena chave do filme, a travessia do rio. Essa cena, que deveria simbolizar com uma força enorme a passagem de Mattie, sem possibilidade de retorno ou arrependimento, para a vida adulta e todas agruras que viriam depois, perde grande parte de sua força por conta dá má construção que a precede. E é essa falha de fundamento que compromete a força de todo o filme restante. Por que se “Bravura Indômita” é um filme bom, certamente poderia ser muito melhor.

A recompensa, no entanto, pelo início ruim, vem da atuação de Jeff Bridges como o beberrão, insensível e durão Cogburn. Com seu tapa-olho, suas intermináveis histórias e seu gatilho certeiro, representa com clareza a violência e a dureza de um tempo no qual os homens tinham que ser lobos. Nada mais sintomático da mitologia do western - e daqueles tempos em que os homens da lei eram dúbios e seus métodos necessários – que um oficial do governo seja um ex-assaltante que já foi procurado pela justiça. Essa ambivalência entre lei e desordem funciona perfeitamente na persona de Cogburn.

O contraponto de Cogburn surge na figura de Laboeuf. Como Texas Ranger, Laboeuf mantém seu sentido de dever, honra e valor simbolizados na estrela que carrega no peito. É um homem instruído e audaz que busca aventura e recompensa. Torna-se um oposto e complemento de Cogburn, através de uma relação ríspida, irônica e desafetada. Mas mesmo nisso o filme mostra fraqueza, enfatizando essa relação em alguns diálogos afiados e irônicos, e só. 

Entre os dois está a garota, determinada em sua vingança. Dessa forma, a narrativa segue um dos “leitmotiv” (sim, outro palavrão) do gênero, a vingança. Pois é em torno da determinação de Mattie que a história gira e será esse desejo ferrenho que moverá a todos. Apesar de deficitariamente construída essa obcessão e o significado da vingança de Mattie, o confronto final será intenso e o desfecho não poupará ninguém das marcas permanentes dessa caçada feroz. Especialmente Mattie, como se verá ao final do filme.

“Bravura Indômita” era um dos filmes mais aguardados da temporada. Uma expectativa que se justificava pelo reconhecido talento dos diretores e por abordarem o gênero western, um dos gêneros fundamentais do cinema. Gênero que já haviam explorado com aspereza, contundência e desesperança em “Onde os Fracos Não Tem Vez”. Dois fatores mais que suficientes para gerar grande expectativa. No entanto, o resultado apresentado decepciona pela ausência de uma história e de personagens sem o devido anteparo que os sustentem para que sejam capazes de causar emoção, empatia ou comoção.

No final, o filme dos Coen termina como uma experiência de emoção reservada e empatia muito tênue. Não parece haver a mesma paixão e intensidade de outros filmes da dupla, o que nesse caso específico seria mais que desejável. Não é mau filme, pois os Coen ainda não devem ter aprendido a fazer filme ruim, mas certamente fica um tanto abaixo da média e da expectativa gerada.
--

* * *

0 comentários:

 

Eu, Cinema Copyright © 2011 -- Powered by Blogger