domingo, fevereiro 06, 2011

Biutiful



Biutiful
Alejandro González Iñárritu
México / Espanha, 2010

A morte é uma presença constante nos filmes de Alejandro González Iñárritu. Ela está na tensão iminente do premiado “Amores Perros”, paira sobre as ligações improváveis dos personagens de “Babel” e é desencadeadora de todos os dramas de “21 Gramas”. Em “Biutiful” ela continua presente e atenderá aos mesmos princípios que recorrem sobre os filmes do diretor. Mas dessa vez ela adquire uma disposição simbiótica com o personagem central. Seu efeito mais devastador não está no prenúncio de sua vinda, mas na preparação para sua chegada.

Javier Barden é Uxbal, um explorador do trabalho irregular. Ganha a vida agenciando o trabalho de imigrantes ilegais, muitas vezes em condições de semi-escravidão. Com dois filhos para dar de comer e uma ex-mulher com transtorno bipolar, vive também em condição precária. Se de um lado ganha sobre a miséria alheia, do outro perde também em sua própria miséria. Perde ao ter de pagar policiais corruptos e por querer ajudar aqueles a quem explora.

Uxbal não é mocinho ou vilão. É apenas humano, na medida em que suas necessidades de sobrevivência o permitem ser.

Essa construção da persona de Uxbal é uma das riquezas do filme. Em suas atitudes demonstra um caráter que destoa do submundo com que está envolvido. Equilibra-se entre a sobrevivência necessária para si e para os filhos e algum atenuante para a torpeza do seu ganha-pão. Ao ajudar com trabalho e com dinheiro os expatriados fugidos da fome, da guerra e da miséria (para caírem num outro tipo de fome, de guerra e de miséria), Uxbal exerce um humanismo amoral. Mantém a culpa fora de sua consciência, sem se livrar dela por inteiro. Carrega no rosto essa angústia de quem está entrelaçado com o desumano e impossibilitado de se desvencilhar desse mal.

A morte

Até que chega a tragédia, desabada impiedosa sobre ele e os agenciadores do desespero. Antes do trágico, porém, já vinha a morte, algoz inevitável de uma condição terminal. É diante da brevidade do tempo que resta que passa a viver Uxbal. Em sua realidade a morte o cerca para onde quer que vá ou para onde quer que olhe. Ela não é só uma visita prometida para logo, é também uma companheira de longa data.

Pois há um detalhe na vida desse personagem que torna a morte algo diferente. Entre ele e a passagem para o outro lado existe uma relação muito próxima que vem de muito tempo. Uma ligação com o outro lado que redimensiona sua compreensão da passagem, embora não alivie em nada sua dor e seu medo.

Todos esses elementos são trabalhados de forma intensa pelo diretor. “Biutiful” nos leva para cada vez mais fundo no sofrimento desse personagem, que busca de todas as formas eliminar as pendências em sua vida. Contudo, na medida que sua vida é um torvelinho de problemas e à media que vive cercado pela miséria e pela desesperança, a solução de suas pendências se tornam cada vez mais distantes.

Afundando

Assim, vamos gradativamente afundando, sufocando nessa experiência dolorida. Mas também cheia de uma beleza estranha, composta pelo afeto de Uxbal pelos filhos, pelo desejo de não desamparar quem dele precisa. Somos tomados pela culpa da tragédia, pela perda de muitas vidas e cientes de que o tempo se esgota aos poucos.

A experiência de assistir a esse filme é uma das coisas mais intensas que o cinema pode proporcionar. “Biutiful” é um filme que te pega e te envolve. A forma como ele te leva para dentro da dor e do desamparo faz com que se experimente uma aproximação rara com o personagem. De forma que a dor dele se torna nossa dor.

Ao sair da sessão não se pode, imediatamente, deixar o filme para trás. Ele te acompanha, está em seus poros, em seus olhos, em sua alma. Essa capacidade de permanecer por tanto tempo conosco depois do fim é uma coisa rara, uma capacidade cinematográfica única que só os grandes filmes possuem. “Biutiful é um deles.
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1 comentários:

Ana de Alexandria disse...

Ótimo texto. Parabéns!!

 

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