quarta-feira, dezembro 22, 2010

Super Size Me – A Dieta do Palhaço



Super Size Me
Morgan Spurlock
USA, 2004

Todo documentário é uma armadilha. Das muitas formas de comunicação existentes, poucas podem se equiparar em poder de persuasão e manipulação da realidade como o audiovisual.  

Uma mostra bem acabada de como os limites entre a verdade e a ficcionalização da verdade podem ser nebulosos e discutíveis, está na nova onde de documentários nacionais que vão na linha de “Jogo de Cena” (Eduardo Coutinho) e “Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo” (Karin Ainöuz e Marcelo Gomes). E a lição primordial que pode tirar de filmes como esses é uma só: desconfie.

Esta introdução não se presta a desqualificar o filme do qual vou falar, mas apenas como uma demonstração de isenção, ou tentativa de tal, na percepção de seu desenvolvimento e na busca de uma distinção entre verdade incontestável, verdade discutível e realidade manipulada. Conceitos que valem e se aplicam a qualquer filme do gênero.

Super Size Me, de Morgan Spurlock é um documentário no qual seu diretor se apresenta como cobaia de um dispositivo experimental que ele mesmo criou. Na tentativa de alertar ao mundo, em especial aos americanos, dos perigos da má alimentação, da obesidade e, principalmente, das redes de fast food, ele se propôs passar um mês sob uma rígida dieta integralmente feita de McDonalds.

As regras:

Durante um mês, fazer todas as refeições com alimentos vendidos nas lanchonetes Mcdonalds, inclusive a água, que deve ser comprada lá;

No período, deve provar ao menos uma vez todos os itens do cardápio;

Sempre que o atendente oferecer a opção tamanho gigante ou porção extra deve aceitá-las;

Durante este a experiência não deve praticar atividade física superior a de um americano médio, o que consiste em caminhar no máximo 5.000 passos por dia;

As conseqüências desse experimento vão sendo exibidas dia a adia, como um diário. Através de exames de sangue e de depoimentos do próprio Spurlock, vai-se acompanhando os efeitos que uma dieta como esta pode causar. Sintomas como depressão, impotência, dores de cabeça e até de dependência.

Mas Spurlock não transforma seu filme em uma peça panfletária pela alimentação saudável, e sim em um alerta contra a alimentação absolutamente não-saudável. Desta maneira, ao vermos o filme, temos uma experiência que nos chama a atenção para a seriedade da questão e como ela está presente na vida de todos nós.

E como já era de se esperar, os resultados finais são alarmantes. Ganho de peso muito rápido, fadiga, redução da libido, apatia, um alarmante desequilíbrio nos componentes sanguíneos e o que mais assombrou os médicos: uma transformação drástica em seu fígado, que praticamente se converteu em pura gordura.

É claro que “Super Size Me” foi planejado e executado para desqualificar a comida vendida nas redes de fast food, com ênfase no McDonalds, a maior e mais poderosa de todas. Não que isso constitua manipulação, pois os fatos nutricionais, a ciência, a nutrologia e o simples bom senso já mostram isso claramente e de forma incontestável. Mas também é evidente que o documentário de Spurlock se propõe a um radicalismo extremo. Radicalismo esse que, por outro lado, não foge tanto à realidade de uma parcela da população norte-americana, que chega a fazer mais de 5 refeições semanais em lanchonetes de fast food.

Além disso, é impossível não se assustar com certos números apresentados, bem como com os efeitos nocivos desse tipo de comida. Positivamente, o documentário não deixa de abordar a questão do sedentarismo, da educação e da mídia na responsabilidade pelo desastre de saúde pública que a obesidade e a má alimentação vêm causando na população dos EUA.

Ainda que ninguém, ou quase ninguém, seja louco o suficiente para fazer todas as suas refeições em redes de fast food, o filme funciona bem como alerta para os perigos desse tipo de alimentação. E ilustra muito bem como as corporações trabalham de forma a nos persuadir - a nós e às nossas crianças - a comer lá. E comer cada vez mais.

No final do filme, ao contrário do que se disse por aí, não fiquei com nojo de ir ao McDonalds, mas certamente fiquei muito mais restritivo quanto à minha freqüência mensal nesse tipo de estabelecimento. Se mais pessoas passarem a pensar duas ou mais vezes antes de se afundarem em toda aquela gordura e açúcar, melhor para a saúde de todos.

Fica então a dica de um filme que serve como alerta (sem o ranço do didático) e que mostra de maneira descontraída, mas sem perder a seriedade, o mal a que estamos todos sujeitos e sobre o qual quase nunca paramos para pensar, assim como quase nunca pensamos em recusar.
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