segunda-feira, outubro 25, 2010

Viridiana

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Viridiana
Luis Buñel
Espanha, 1961
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Luis Buñel foi um dos grandes diretores do cinema espanhol. Durante a ditadura do General Franco na Espanha exilou-se no México, onde realizou muitos de seus grandes filmes, como Los Olvidados (1950), El Bruto (1952) e Él (1952). Em 1960 foi convidado amigavelmente pelo governo de Franco para retornar a seu país e realizar o filme que quisesse, sem interferência do governo. Realizou Viridiana. Filme que depois de pronto e exibido causou tamanha ira em Franco e na Igreja Católica que muitas de suas cópias foram queimadas e o filme foi banido. Permaneceu proibido na Espanha até dois anos após a morte do ditador, em 1977.

Viridiana conta a história de uma freira de fé inabalável, que cultiva hábitos penitentes, como fazer suas preces usando uma coroa de espinhos e dormir sempre no chão. Antes de se encerrar numa clausura definitiva dedicada à igreja, Viridiana tem de visitar seu tio, um próspero e solitário viúvo. Atormentado com a beleza de sua sobrinha, ele fará o possível para adiar seu retorno ao convento e tentará, por fim, convencê-la a casar-se com ele.

Para alcançar seus objetivos obscenos, o velho homem não medirá esforços chegando ao mais baixo dos recursos. Sem sucesso e consumido pela culpa, suicida-se, deixando sua propriedade como herança para Viridiana e para um filho bastardo que tivera fora de seu casamento e que mal conhecera.

Após a morte do tio e diante dos acontecimentos recentes, Viridiana não se sente honrada o suficiente para retornar ao convento e decide ficar. Enquanto seu primo, Jorge, passa a administrar a fazenda e viver no Casarão, Viridiana passa a usar uma parte da propriedade para dar abrigo a um grupo de desafortunados: mendigos, aleijados, cegos e miseráveis.

Ela acredita estar cumprindo uma missão e ao mesmo tempo um expurgo, que a livrará das máculas causadas pelo tio falecido. Acredita que sua bondade redimirá aquelas pobres criaturas, tornado-as pessoas melhores, cristãos melhores, que em troca de sua generosa boa vontade exibirão como gratidão um melhor caráter, uma melhor índole. Mas o tempo se encarregará de mostrar-lhe o que sua fé obtusa não permite.

Buñel é implacável. Com seu filme ele demonstra um intenso ceticismo com a religião católica e com as questões da fé e da redenção. O diretor vai desconstruindo gradativamente e com rica sutileza a bondade nos gestos de Viridiana, deixando entrever que na sua caridade muitas vezes oculta-se um profundo egoísmo. É a visão de Buñel sobre a bondade cristã.

Assim, o altruísmo de Viridiana não é totalmente sincero, pois ele existe apenas enquanto obrigação de uma devoção particular e não no desinteressado benefício do próximo. Isso fica claro porque Viridiana busca a redenção por pecados que não cometeu. É o desajuste que a ignorância, a fé e a necessidade de martírio podem levar.

Por isso a bondade da personagem é muito mais um ofício do que uma questão de humanidade. Na busca de sua própria e egoísta redenção, Viridiana não se importa se o bem que faz é o melhor bem a ser feito.

Na construção de sua exortação ao ceticismo e à nulidade de toda religião como ação “transformadora” do mundo, Buñel compõe duas cenas muito representativas.

A primeira é uma oração no campo, onde se alternam imagens dos mendigos rezando com Viridiana e de homens trabalhando numa construção. Os que trabalham constroem algo, enquanto os que rezam não fazem mais que rezar. Nesta cena Buñel recria com a montagem paralela (e nela estão explicitados os princípios da montagem dialética do russo Serguei Eisenstein) o adágio de que duas mãos trabalhando valem mais que mil rezando.

A outra cena é emblemática de uma ironia iconoclasta e polêmica, pois reproduz o famoso quadro da santa ceia tendo como protagonistas os ingratos mendigos, que desdenham da generosidade de Viridiana entregando-se a uma vergonhosa e desmoralizante orgia de mesa farta e copos cheios.

É o choque final entre a fé idealizada e a dura realidade da natureza do homem que põe em ruínas as crenças pelas quais Viridiana dedicou sua vida. Percebe que viveu fechada numa devoção cujo sentido nunca alcançou de fato. Desestabilizada, ela reaparece na cena final, compondo um quadro emblemático e provocativo. Um desfecho que transpira um sutil erotismo, recendendo a lascívia e pecado.

Em sua genialidade, Buñel nos deixa entrever a verdade do final de Viridiana, pois é com sua entrega ao erótico, ao pecado antes rechaçado, que ela encontra sua verdadeira e máxima redenção. Ao abrir mão de uma hipocrisia auto-imposta encontra sua liberdade no desejo e na entrega. Sabe que é um fim melancólico para seus castelos etéreos, mas compreende talvez que há mais verdade nessa melancolia do que na felicidade que representava.
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